Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Se depender do republicano favorito para 2024, Flórida vira uma Hungria com crocodilos

Atual governo democrata pode ficar conhecido como 'primavera de Biden' se Ron DeSantis chegar à Casa Branca

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É janeiro de 2025. Começa a circular uma expressão para descrever os quatro anos anteriores nos EUA: Primavera de Biden. O período entre dois autocratas decididos a desmontar a mais antiga democracia constitucional do mundo. Mais antiga, mas não a mais democrática, já que, durante quase três séculos, sua Constituição negou direitos aos negros, que chegaram a 20% da população, quando escravizados, e hoje passam de 13%.

O termo "primavera" em política surgiu no meio do século 19, durante uma série de revoltas liberais contra monarquias –na Itália, na França, na Alemanha e no Império Austríaco— que deram com os burros n’água, terminando em regimes repressivos.

O governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis, discursa em Nova York
O governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis, discursa em Nova York - Spencer Platt - 20.fev.23/Getty Images via AFP

O uso da expressão se popularizou depois para batizar intervalos em que a liberdade floresceu, como na antiga Tchecoslováquia comunista –Primavera de Praga, em 1968— e a Primavera Árabe, de 2011, que começou na Tunísia e se espalhou por Egito, Líbia, Síria, Iêmen e Bahrein, com resultados catastróficos.

Donald Trump se despediu de Washington com uma tentativa de golpe de Estado, mas deixou o terreno fértil para outro inverno de obscurantismo. Ele não deve emplacar como candidato republicano na convenção de 2024. Não parece admitir que, no momento, serve de adubo para a candidatura de seu imitador mais jovem, intelectualmente superior e mais letal.

O governador da Flórida, Ron DeSantis, mesmo sem ter se declarado pré-candidato, é o favorito para enfrentar o igualmente não declarado e 36 anos mais velho Joe Biden em novembro do ano que vem. Sim, muito ainda pode acontecer sob esta cada vez menos representativa camisa de força bipartidária.

A ameaça de Trump de correr por fora não tira o sono de republicanos. Primeiro, a expressiva parcela de eleitores independentes tem cada vez menos interesse no palhaço de Mar-a-Lago. Mas, acima de tudo, Rupert Murdoch e os doadores bilionários querem trocar de fantoche.

Por que não o meritocrático e nada filhinho de papai, graduado em Yale, pós-graduado em Harvard e veterano da Guerra no Iraque? Melhor ainda se a imprensa colabora, não investigando o que DeSantis fez como advogado militar em Falluja e Guantánamo.

Se depender de DeSantis, a Flórida vai se assemelhar a uma Hungria com crocodilos. Como o truculento líder húngaro, Viktor Orbán, ele se reelegeu com folga e logo se lançou numa cruzada para desmontar a liberdade acadêmica nas escolas, impondo nomeações, censurando currículos e livros didáticos.

De quando em quando, os americanos se enamoram de políticos jovens e telegênicos que apontam para o futuro. John Kennedy e a promessa de pisar na Lua nos anos 1960 "não porque é fácil, mas porque é difícil"; Barack Obama e a mensagem "sim, podemos", afinal, colocar um negro na Casa Branca.

A promessa de Ron DeSantis é dar um banho de loja no passado branco, desigual e homofóbico do qual a direita esperneia para não se separar. E ele conta com o apoio de hispânicos —não confundir com o perfil político dos latinos em outros estados.

Mesmo quem concorda sobre o trágico legado da Presidência Trump pode argumentar que a colunista exagera e que a democracia americana ainda é bastante sólida. Fui tratada como a Cassandra da mitologia grega antes e depois da eleição de 2016. Millôr Fernandes dizia que o pessimista fica feliz duas vezes: quando acerta e quando erra. Esta pessimista sempre torce para errar.

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