Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Eventual acusação contra Trump cria precedente perigoso nos EUA

Ação poderia incentivar transformação da polarização em hostilidade, com republicanos perseguindo democratas

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The New York Times

Se você pretende acusar criminalmente e levar a julgamento um ex-presidente dos EUA, especialmente um cuja carreira política se beneficiou do fim da confiança popular na neutralidade de nossas instituições, faria bem em ter provas claras e uma montanha de precedentes legais para subsidiar sua ação.

Não parece ser o caso da ação que promotores de Nova York avaliam mover contra Donald Trump. O processo se baseia na alegação de que pagamentos para garantir o silêncio da atriz pornô Stormy Daniels teriam violado leis de financiamento de campanhas. O uso da expressão "teoria legal inovadora" em descrições do que a ação pode acarretar não é encorajador.

pessoa com uma máscara facial de donald trump aponta o dedo para a câmera em frente a um edifício. ele usa terno azul e gravata vermelha. a feição de trump na máscara é séria
Manifestante caracterizado de Donald Trump protesta em frente à Trump Tower, em Nova York - David 'Dee' Delgado - 22.mar.23/Reuters

Tampouco são encorajadoras as questões levantadas por jornalistas e especialistas não conhecidos por serem favoráveis a Trump. Ou o fato de termos o precedente de um presidenciável, o democrata John Edwards, acusado de ter cometido um delito bastante semelhante durante sua campanha em 2008. Ele foi absolvido de uma das acusações, e o júri não conseguiu chegar a um acordo quanto às outras.

O precedente de Bill Clinton e Monica Lewinsky não vem tanto ao caso em termos legais, pois envolve falso testemunho prestado a um tribunal, e não as leis sobre financiamento de campanhas.

Mas os escândalos de Bill Clinton estabeleceram o princípio geral de que os presidentes estão acima da lei, desde que as violações tenham envolvido delitos de pouca monta relacionados a sexo indecoroso. Se uma possível ação judicial contra Trump exigir que se passe por cima desse princípio, os promotores poderiam praticamente aparecer no tribunal usando parafernália de campanha do Partido Democrata –o efeito seria o mesmo.

Não é preciso que esse efeito beneficie Trump politicamente para tornar tal ação judicial imprudente ou insensata.

Uma acusação criminal o prejudicaria nas urnas e ainda assim seria uma péssima ideia. Criaria um precedente que pressionaria promotores republicanos a indiciar políticos democratas por acusações igualmente dúbias, definindo um padrão de buscar vingança na Justiça contra o partido que não está no poder, incentivando a transformação da polarização em hostilidade.

Mas é evidentemente impossível fugir da pergunta política: uma acusação criminal ajudará Trump ou o prejudicará em seu esforço para reconquistar a candidatura republicana e a Presidência?

Nem mesmo uma acusação criminal que pareça politicamente motivada ajudará a tornar Trump mais popular entre os eleitores independentes que decidem as eleições presidenciais. Será apenas uma bagagem adicional para um político que já é amplamente visto como caótico, imoral e inadequado para ser presidente.

E mesmo uma acusação criminal à prova de questionamentos seria vista como perseguição pelos fãs mais devotos de Trump. Assim, quer haja ou não uma onda de protestos dos MAGAs [referente ao slogan "Make America Great Again"] agora, poderíamos prever que o espetáculo de Trump sendo levado à Justiça ajudaria a mobilizar sua base em 2024.

Alexander Burns, do Politico, argumenta que esses dois pontos juntos dão resultado negativo para Trump. Afinal, ele não precisa mobilizar sua base. A maioria dela vai apoiá-lo, aconteça o que acontecer. São os que estão em dúvida ou exaustos que ele precisa persuadir de que é a escolha certa para 2024. E se mesmo apenas alguns desses eleitores se cansarem de mais uma rodada de baixarias do tipo Stormy Daniels, Trump estará em situação pior. Burns escreve: "Se cada escândalo ou gafe aproximar 99% de sua base a ele mais fortemente e desagradar a 1%, mesmo assim essa é uma fórmula perdedora para um político cuja base é uma minoria eleitoral. Trump não pode perder um pouquinho de apoio a cada controvérsia, mas compensá-lo em volume".

Não estou certo de que seja tão simples assim. Isso porque, além do verdadeiro eleitor da base (que estará com Trump de qualquer maneira) e do verdadeiro eleitor indeciso (que provavelmente fez a balança pender em favor de Joe Biden da última vez), há o eleitor indeciso das primárias republicanas: o eleitor que faz parte da base de Trump na eleição geral, mas que não o ama incondicionalmente –o eleitor que está aberto a Ron DeSantis, mas oscila entre os dois republicanos da Flórida, dependendo das manchetes do momento.

Posso contar duas histórias sobre como esse tipo de eleitor reage a uma acusação criminal. Em uma, Trump se dá bem com esses eleitores quer esteja longe das manchetes, quer esteja na ofensiva, e se sai pior quando parece enfraquecido, confuso, um perdedor.

Deve-se a isso a ascensão de DeSantis nas pesquisas imediatamente após as midterms de 2022, quando a performance fraca dos candidatos apoiados por Trump prejudicou a imagem do ex-presidente, enquanto suas críticas desregradas depois o fizeram parecer impotente. Também deve-se a isso sua aparente recuperação nas sondagens mais recentes, já que ele passou a enfrentar DeSantis sem o governador da Flórida revidar, fazendo Trump parecer mais forte que seu rival.

Por essa teoria, mesmo uma acusação criminal politizada e partidária faz Trump voltar a uma posição de agitação instável, fazendo-o parecer uma vítima e não o senhor dos acontecimentos –um perdedor trôpego que caiu na rede dos liberais. Assim, o eleitor republicano indeciso se comporta como o eleitor indeciso nas eleições gerais e recua, e o disciplinado DeSantis se beneficia.

Mas há uma história alternativa, na qual nosso eleitor republicano indeciso não está tão interessado em candidatos específicos, mas sim na batalha maior contra o establishment político liberal.

Segundo essa teoria, a imagem de DeSantis se baseia em ele ser batalhador, um flagelo do liberalismo cultural em todas suas formas, enquanto Trump tem perdido terreno por dar a impressão de estar mais interessado em combater seus colegas republicanos, chegando ao ponto de prejudicar a causa republicana e ajudar os liberais a ganhar.

O que acontece, porém, quando o liberalismo institucional parece decidido a enfrentar Trump? (Sim, eu sei que um único promotor não é o liberalismo institucional, mas é assim que a situação será vista.) Quando a grande batalha ideológica de repente é travada em torno da pessoa de Trump, sua posição, sua própria liberdade?

Bem, isso talvez pareça uma confirmação do argumento que certos trumpistas vêm apresentando há algum tempo: que não há nada que o establishment tema mais que uma restauração de Trump, que "eles não podem deixá-lo voltar", como disse no ano passado um ex-funcionário da Casa Branca sob Trump, Michael Anton. Logo, se você se preocupa acima de tudo com o conflito ideológico, não tem importância se não amar Trump como os verdadeiros seguidores dele o amam: onde Trump se posiciona, ali você também deve se colocar.

Esse é o efeito de mobilização em defesa de Trump que parece mais imaginável se uma acusação criminal se concretizar: não uma explosão de adesão a Trump pessoalmente, mas uma repetição da dinâmica do "inimigo do meu inimigo", que tem sido crucial à resiliência dele.

É claro que, já que pelo menos alguns democratas se alegrariam em ver Trump em vez de DeSantis como o candidato republicano, poderíamos argumentar que nesse cenário os conservadores loucos por uma briga estariam se deixando manipular para lutarem no campo de batalha errado, em defesa do líder errado, pelas apostas erradas.

Mas persuadi-los disso é algo que terá que ser feito pelo próprio DeSantis, cuja própria campanha fará uma dessas duas narrativas sobre a psicologia republicana parecer profética: a primeira como vitoriosa, a segunda como derrotada.

Tradução de Clara Allain

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