Caso você tenha se perdido nas notícias sobre a China ao longo do ano, encarei o exercício, arriscado, de escolher os três destaques de 2022.
Dois mil e vinte e dois foi o ano em que a política de Covid zero sofreu uma reversão radical e repentina
Depois de três anos de fronteiras basicamente fechadas e de um esforço brutal para eliminar o vírus no território chinês, ficou evidente a fadiga da população com lockdowns rigorosos, testes em massa e aplicativos rastreando deslocamentos. Sem precisar dizer muito, manifestantes foram às ruas com folhas de papel em branco, nos chamados protestos do A4.
A política mudou 180 graus e, agora, a China experimenta um tsunami de casos, com enorme impacto social. Ao mesmo tempo, com o fim da Covid zero, melhoram as perspectivas para o PIB em 2023, ainda que a economia deva piorar antes de começar a melhorar.
Dois mil e vinte e dois foi o ano em que Xi Jinping foi reconduzido para um terceiro mandato
Algo esperado, mas ainda assim sem precedentes desde o fim da era Mao. Para além de assegurar a perpetuação de Xi no poder, o Congresso do Partido Comunista sinalizou que, nos próximos cinco anos, autossuficiência tecnológica e segurança nacional estarão no topo das prioridades.
Há vários candidatos a um terceiro destaque. Este foi o ano em que segurança energética fez Pequim investir pesado no carvão, apesar do discurso pró-descarbonização. Foi o ano em que ficou evidente uma nova trajetória de crescimento econômico, menor do que no passado. Foi o ano em que a China concluiu a construção da própria estação espacial, emblemática tanto das ambições quanto da capacidade do país.
Dois mil e vinte e dois foi o ano em que se consolidou uma nova realidade geopolítica para a China
Esse é o meu terceiro destaque. A tendência já estava em curso, mas episódios deste ano confirmam e aceleram a mudança dos tempos.
A começar, a relação China-Rússia atingiu novo patamar, em meio à Guerra da Ucrânia. O esforço do Ocidente em isolar a Rússia teve por efeito aproximá-la da China, que não condenou nem apoiou a invasão. No balanço de sua política externa em 2022, Pequim destacou que a "parceria estratégica" com Moscou tornou-se "mais madura e resiliente".
Em 2022, é certo que a relação China-Rússia fez crescer o incômodo com Pequim nos EUA e entre os membros da Otan.
Além disso, a relação entre China e EUA se deteriorou um pouco mais. A batalha dos chips, sobre a qual escrevi aqui, merece o título de expressão do ano no relacionamento bilateral. Diante da vulnerabilidade chinesa nessa área estratégica, os EUA redobraram, em 2022, o esforço de privar a China de semicondutores avançados. É certo que os chineses terminam o ano ainda mais convencidos de que conter sua ascensão é prioridade de Washington.
Se não bastasse, as tensões em torno de Taiwan cresceram e atingiram novo pico com a visita da congressista Nancy Pelosi a Taipé, percebida, em Pequim, como uma grande provocação. De olho na China, Taiwan acaba de ampliar o serviço militar obrigatório, e o Japão, de dobrar seu orçamento militar.
Dois mil e vinte e dois, para a China, é um ano que não acabou. O fim da Covid zero terá repercussões ao longo de 2023. O novo mandato de Xi influencia diretamente os rumos do país nos próximos cinco anos, quiçá mais. Para completar, o contexto geopolítico mais desafiador para Pequim tornou-se o novo normal. O balanço do ano acaba servindo como uma prévia do que importará para o país em 2023.
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