Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Thomas L. Friedman

Putin quer congelar Europa e obrigar escolha entre comer ou se aquecer

Política energética dos EUA deve ser arsenal da democracia contra o petro-putinismo

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The New York Times

Alguns soldados russos na Ucrânia estão deixando de apoiar a guerra vergonhosa de Vladimir Putin, mas sua retirada às pressas não quer dizer que o líder esteja se rendendo. Na verdade, na semana passada ele abriu toda uma nova frente da guerra: a energética.

Putin acha que encontrou uma Guerra Fria que pode vencer. Ele vai tentar literalmente congelar a União Europeia neste inverno [do hemisfério Norte], cortando o fornecimento de gás e petróleo russo para pressionar o bloco a abandonar a Ucrânia.

Seus predecessores no Kremlin usaram invernos gelados para derrotar Napoleão e Hitler, e está claro que Putin acha que esse é seu grande trunfo para derrotar o ucraniano Volodimir Zelenski, que disse a seus conterrâneos: "A Rússia está fazendo tudo nos 90 dias de inverno para romper a resistência da Ucrânia, a resistência da Europa e a resistência do mundo".

O presidente Vladimir Putin em discurso no estádio Lujniki, em Moscou - Serguei Guneev - 18.mar.22/Kremlin/Sputnik/Reuters

Eu queria poder dizer com certeza que Putin vai fracassar —que os americanos vão produzir mais energia que ele. E queria poder escrever que Putin ainda vai se arrepender de sua tática, porque com o tempo ela acabará convertendo seu país de czar energético da Europa em colônia energética da China —país para o qual Putin agora vende muito de seu óleo com desconto, para compensar a perda de mercados ocidentais.

Sim, bem que eu gostaria de poder escrever todas essas coisas. Mas não posso —a não ser que os EUA e seus aliados parem de viver em um mundo de fantasia verde que diz que basta acionarmos um botão para passarmos de combustíveis fósseis sujos para energia renovável limpa.

Esta coluna se dedica há 27 anos a defender a energia limpa e a mitigação da mudança climática. Ainda estou a favor —profunda e totalmente— desses objetivos. Mas não podemos alcançá-los só porque queremos que sejam realidade, a não ser que também tenhamos criado meios para isso.

Não obstante todos os investimentos dos últimos cinco anos em energia eólica e solar, os combustíveis fósseis ainda responderam por 82% do consumo energético primário mundial em 2021 (necessário para coisas como aquecimento, transportes e geração de eletricidade), queda de três pontos percentuais nesses cinco anos. Nos EUA, em 2021, 61% da eletricidade foi gerada a partir de combustíveis fósseis, enquanto 19% veio de energia nuclear e 20% de fontes renováveis.

Em um mundo de classes médias crescendo e sedentas de energia, são necessárias quantidades enormes de energia limpa para fazer uma diferença mesmo pequena em nosso mix. Não é questão de girar um botão. Temos uma longa transição pela frente. E só vamos fazê-la se abraçarmos com urgência um modo inteligente e pragmático de pensar a política energética —que, por sua vez, leve à segurança climática e econômica maior.

Se isso não acontecer, Putin ainda poderá prejudicar a Ucrânia e o Ocidente gravemente.

Antes de a guerra começar, Moscou fornecia quase 40% do gás natural e metade do carvão usados pela Europa. Na semana passada, anunciou que estava suspendendo a maior parte do fornecimento até que sejam levantadas as sanções ocidentais. Putin ainda prometeu suspender todos os envios se o Ocidente puser em prática o plano de limitar quanto vai pagar pelo petróleo russo.

O Financial Times noticiou que, sem suficientes alternativas acessíveis ao gás natural, algumas fábricas na Europa terão que fechar, "por não poderem arcar com o custo do combustível". As contas de energia, que já subiram 400% em alguns países, "estão empurrando os consumidores à quase pobreza".

Para alguns, será preciso optar entre aquecer a casa ou comer. A situação está forçando governos a oferecer subsídios enormes, distorcendo seus orçamentos, na esperança de evitar reações populares negativas e pressões para persuadir a Ucrânia a render-se a Putin. E alguns já voltaram a queimar carvão.

Se quisermos diminuir os preços de óleo e gás para níveis razoavelmente baixos para alimentar a economia dos EUA e ajudar os aliados europeus a escapar do controle férreo da Rússia, ao mesmo tempo acelerando a produção de energia limpa (a Tríade Energética), precisamos daquele plano de transição que equilibra segurança climática, energética e econômica.

Biden acaba de dar um impulso enorme à produção de energia limpa nos EUA com sua lei climática, que também incentiva a produção mais limpa de gás e óleo, através de incentivos para reduzir vazamentos de metano e para que invistam mais em tecnologias de captura de carbono.

Mas o fator mais importante é dar às empresas que produzem energia limpa (e aos bancos que as financiam) a certeza regulatória de que, se investirem bilhões, o governo os ajudará a construir as linhas de transmissão e os gasodutos para levar sua energia ao mercado.

Os verdes gostam de painéis solares, mas detestam linhas de transmissão. Dificilmente conseguirão salvar o planeta com essa abordagem.

Para conseguir o apoio do senador Joe Manchin, líderes democratas no Senado, liderados por Chuck Schumer, fecharam um acordo secundário: apoiar um projeto de lei que enxugaria, mas não eliminaria, revisões ambientais e regulatórias que muitas vezes dificultam a autorização de construção de linhas de transmissão e gasodutos. Se nosso principal caminho para a descarbonização passa pela eletrificação de veículos e a geração de energia a partir de fontes renováveis, vamos precisar de mais caminhos de transmissão —e mais sistemas de gás natural aos quais recorrer quando não ventar ou não fizer sol.

Por essas e outras razões, Biden e quase todos os senadores democratas querem ver esse pacote aprovado. Schumer pretende anexá-lo a uma lei que o Congresso terá que aprovar para conservar o governo operando após o final do ano fiscal, em 30 de setembro. Infelizmente o senador Bernie Sanders se opõe ao pacote, assim como mais de 70 deputados democratas. Não está claro quantos chegarão ao ponto de bloquear o texto, mas pelo menos alguns o farão.

Logo, lobistas pediram a parlamentares republicanos que votem a favor da legislação, para compensar pelos progressistas que estão dizendo "não". Mas o Partido Republicano mandou as petrolíferas se catarem. Legisladores da sigla não farão nada que gere outro êxito para Biden.

Não sei quem é mais irresponsável: os progressistas arrogantes, falsos moralistas, que querem uma revolução verde imaculada da noite para o dia, com painéis solares e parques eólicos mas sem novos gasodutos ou linhas de transmissão; ou os republicanos cínicos, falsamente durões, que preferem ver Putin vencer e as companhias energéticas perderem a fazer o que é certo para os EUA e a Ucrânia, concordando com Biden.

A política energética americana de hoje precisa ser o arsenal da democracia para derrotar o petro-putinismo na Europa, fornecendo aos aliados óleo e gás de que eles necessitam desesperadamente, a preços razoáveis, para que Putin não possa chantageá-los. A política energética americana precisa ser o motor do crescimento econômico que produz a energia de combustíveis fósseis mais limpa e de custo mais acessível a ser usada enquanto fazemos a transição para uma economia de baixo carbono.

E ela precisa estar na vanguarda do processo de multiplicação de fontes renováveis, para levar o mundo a esse futuro de baixo carbono o mais rapidamente possível. Qualquer política que não maximize esses três fatores nos deixará com menos saúde, menos prosperidade e menos segurança.

Tradução de Clara Allain

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