Governo de SP diz que apreensão de queijos artesanais será investigada

Produtores da Cabanha Mulekinha tiveram seus produtos confiscados pela fiscalização, em caso que repercutiu nas redes sociais

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São Paulo

A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo informou que vai investigar o chefe da equipe de fiscais que apreenderam e destruíram os queijos artesanais da Cabanha Mulekinha, produtores de Ibiúna, no interior de São Paulo. No domingo, dia 19, circulou entre chefs e gente do setor gastronômico um áudio em que a queijeira Luzita Camargo, aos prantos, se queixava da atuação de funcionários da Vigilância Sanitária paulista, que haviam confiscado seu estoque.

Nesta segunda, dia 20, Luzita e Airton Camargo, ambos donos da Cabanha Mulekinha, tiveram uma reunião no gabinete do secretário de Agricultura, Antonio Julio Junqueira de Queiroz. Saíram de lá com a promessa de que o prejuízo que tiveram poderá ser ressarcido.

Queijos da Cabanha Mulekinha, que foram apreendidos pela Vigilância Sanitária
Queijos da Cabanha Mulekinha, que foram apreendidos pela Vigilância Sanitária - Divulgação

O órgão do governo diz que vai investigar a atuação da fiscalização e também concedeu a eles o Sisp, certificado do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Estado de São Paulo, que permite a produção artesanal de queijos. Afirma ainda que o fiscal em questão deverá ser afastado.

"A atuação do fiscal contrariou a orientação da atual gestão de sempre orientar os produtores sobre as exigências da legislação, antes de qualquer medida punitiva", diz nota da secretaria enviada à reportagem. "A pasta imediatamente instaurou procedimento para apuração do ocorrido."

A Folha tentou localizar o funcionário responsável pela fiscalização, mas não obteve o contato dele até a publicação deste texto.

Apesar do desfecho, os dois produtores dizem que saem traumatizados do episódio que começou na sexta-feira, dia 17. Faltava pouco para a hora do almoço quando eles receberam a visita de um fiscal, lotado na regional de Sorocaba da Coordenadoria de Defesa Agropecuária, a CDA.

Inicialmente o casal comemorou. Havia seis meses, desde que finalizaram as obras de adequação da queijaria conforme as exigências do Sisp, que eles esperavam pela visita da fiscalização.

"Investimos cerca de R$ 300 mil nas obras. Construímos barreira sanitária, vestiários separados, compramos equipamentos de inox e todos os revestimentos exigidos, mas ele [o fiscal] sempre alegava que não tinha pessoal para fazer a vistoria", afirma Luzita.

Acompanhado de duas representantes da Vigilância Sanitária de Ibiúna, município onde se localiza a queijaria, o funcionário teria dito que a ouvidoria da Secretaria de Agricultura e Abastecimento havia recebido uma denúncia sobre o funcionamento irregular da queijaria —e autuou o estabelecimento por fabricar e comercializar os queijos sem selo de inspeção de órgão oficial, o que representaria um risco à saúde pública.

No momento da autuação, havia 266,5 quilos de queijos e sete quilos de doce de leite nas instalações da Cabanha Mulekinha. O estoque foi todo destruído pela equipe.

"Foi um dia de terror. Registrei tudo em vídeos. Depois de tudo, ele fez a vistoria da fábrica, aquela que estávamos esperando havia seis meses", conta Luzita, exibindo o termo de fiscalização registrado às 14h25.

Um áudio de Luzita chorando, implorando para que seus queijos não fossem parar no lixo, foi repetidamente compartilhado entre chefs pelo Instagram. Nos comentários, mensagens de apoio aos queijeiros dividiam espaço com cobranças dirigidas ao novo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Na noite de domingo, 19 de março, os proprietários da Cabanha Mulekinha e os representantes da Associação Paulista do Queijo Artesanal, a APQA, foram convocados para uma reunião, no dia seguinte, na Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo.

Presidente da entidade, Christophe Faraud foi ao encontro acompanhado de seu vice, Peèle Lemos, cuja queijaria, a Lano-Alto, foi alvo de um episódio parecido em 2021 e foi o estopim para a criação do novo Selo do Queijo Artesanal, regulamentado em 22 de junho de 2022.

.Queijo benzinho da Belafazenda, em Bofete (SP)
Queijo benzinho da Belafazenda, em Bofete (SP) - Carolina Vilhena Bittencourt/Divulgação

Segundo Faraud, o selo criado pela lei federal de nº 13.860 deveria ter trazido benefícios para pequenos produtores, já que a nova regulamentação adapta as exigências à realidade da produção artesanal e simplifica o processo de certificação. Mas isso não aconteceu, ele diz.

"Na prática, não mudou nada. Como já acontecia antes, acabamos dependendo dos fiscais, muitos dos quais não têm qualquer preparo. O que aconteceu com a Cabanha Mulekinha é surreal, não há outra palavra."

Proprietários da Queijaria Rima, especializada em queijos de leite de ovelha, Maria Clara e Ricardo Rettmann fazem coro. Localizados em Porto Feliz, eles deram entrada no processo de certificação pelo Sisp em abril de 2021 e levaram oito meses para obtê-la. O fiscal encarregado das vistorias era o mesmo que vistoriou a Cabanha Mulekinha.

"A queijaria estava pronta, acumulando pó, mas a cada visita o fiscal fazia mais exigências. Ao final, quando chegou a hora de emitir o laudo, ele se recusou a usar o wi-fi do nosso escritório e avisou que só o faria na volta de suas férias, dali a um mês", conta Maria Clara. "Pequenos produtores não conseguem lidar com essa falta de celeridade nos processos. Não temos fôlego para isso."

Ao final da reunião, que durou cerca de três horas, os representantes dos queijeiros saíram do gabinete com mais duas promessas do secretário.

"O fiscal que autuou a queijaria erroneamente foi temporariamente afastado, e a Secretaria de Agricultura se comprometeu a montar uma equipe exclusiva e treinada para lidar com produtores artesanais, como a lei já exigia. Foi um dia histórico", disse Faraud.

Leia a seguir a nota enviada pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento.

"A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo comunica que, no episódio da apreensão de queijos da Cabanha Mulekinha, há fortes indícios de que a atuação do fiscal da Coordenadoria de Defesa Agropecuária contrariou a legislação vigente. A pasta imediatamente determinou a instauração de procedimento para apuração do ocorrido. Em decorrência da gravidade do ato praticado, cautelarmente, foi determinado o afastamento do profissional, que permanecerá realizando trabalhos internos, até o encerramento do processo de apuração.

A análise feita no pedido de registro no Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisp) resultou na sua aprovação, o que corrobora a suspeita de atuação irregular do fiscal, na apreensão e destruição dos produtos.

A atuação do fiscal contrariou o artigo 3º, da lei estadual nº 17.453, de 18/11/2021, quanto ao caráter preventivo e orientativo da inspeção sanitária, e expressa determinação da Secretaria de Agricultura de sempre orientar os produtores sobre as exigências da legislação, antes de qualquer medida punitiva.

De acordo com o secretário Antonio Julio Junqueira, após a finalização da apuração, caso fique comprovado que a Secretaria de Agricultura errou, haverá o ressarcimento do prejuízo causado à agroindústria.

Sem prejuízo das providências determinadas, a Coordenadoria de Defesa Agropecuária fará revisão dos procedimentos, reciclagem e treinamento de todos os profissionais que atuam na inspeção e fiscalização."

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