Le Cordon Bleu de SP abre biblioteca com livros de Nina Horta e recria sua cozinha

Espaço na Vila Madalena vai funcionar gratuitamente a partir de outubro com 2.500 títulos da cronista e colunista da Folha

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Em uma sala cheia de livros de cozinha, um texto escrito à mão na primeira página de um deles traz uma dedicatória: "Nina, querida, como posso te agradecer?". No final, a assinatura diz: "com amor, Ritinha".

A edição de 2008 de "A Conversa Chegou à Cozinha" (ed. Ediouro, 224 págs.), com um recado da chef e apresentadora Rita Lobo, faz parte de uma coleção de cerca de 2.500 títulos que pertenceram a Nina Horta (1939-2019), cozinheira, cronista e colunista da Folha, e que a partir do dia 2 de outubro serão abertos ao público em um espaço dedicado à escritora na escola de gastronomia Le Cordon Bleu de São Paulo, na Vila Madalena.

Cozinha de Nina Horta foi remontada com louças, fogão e objetos que eram dela no Memorial erguido em sua homenagem pela escola de gastronomia Le Cordon Bleu, em São Paulo
Cozinha de Nina Horta foi remontada com louças, fogão e objetos que eram dela no Memorial erguido em sua homenagem pela escola de gastronomia Le Cordon Bleu, em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Chamado Memorial Nina Horta, também vai exibir utensílios e uma parte da cozinha original usada quase diariamente por mais de cinco décadas por ela. Esse ambiente integra um novo complexo que inclui café, cozinha experimental e um coworking da Le Cordon Bleu, o Culinary Village, no mesmo prédio em que já funciona a rede de ensino francesa.

"O desejo de minha mãe era que o acervo dela pudesse ser consultado, estudado", diz Dulce Horta, sua filha. Quem se encarregou disso, a pedido de Nina, foi Rosa Moraes, que atua na área de ensino de gastronomia há 25 anos e é embaixadora de hospitalidade da Ânima Educação, parceira da Le Cordon Bleu em São Paulo. Para colocar a ideia em prática, as obras foram enviadas a uma empresa especializada em catalogação, permitindo a consulta por tema e autor, explica Moraes. Qualquer pessoa pode ter acesso ao material no espaço, mas retiradas não são permitidas.

Na sala moderninha e cheia de janelas, periódicos, teses e livros em vários idiomas tratam da gastronomia em diferentes perspectivas. Há volumes sobre história (de pratos franceses e italianos na Idade Média, por exemplo), sobre a cozinha de uma região (como Nova Orleans, nos EUA) e um país (a Malásia é um entre muitos). Completam os sempre presentes títulos de cozinheiros e restaurantes.

É claro, uma fartura de receitas também faz parte da coleção, algumas delas destacadas por marcações escritas por Nina em post-its ainda preservados. "Almôndegas ao curry" diz um desses lembretes com sua caligrafia em uma página de Good Housekeeping, revista americana cuja primeira edição foi publicada em 1885. Essas receitas eram testadas por Nina em refeições que preparava em sua casa ou poderiam servir de referência para o Ginger, bufê que comandou por 30 anos.

Uma mistura de autores brasileiros como Câmara Cascudo (1898-1986), Bela Gil, Carla Pernambuco e Luiz Américo Camargo faz parte da biblioteca. Mas o acervo também se destaca por livros estrangeiros, alguns deles já esgotados, geralmente acessíveis apenas a quem pode trazê-los de viagem ou comprá-los pela internet.

Algumas obras são de escritores famosos, como o americano James Beard (1903-1985), também cozinheiro e apresentador, que foi uma das principais autoridades sobre a cozinha de seu país. Entre outras preciosidades está o livro sobre a mesa do Oriente Médio de Claudia Roden, autora nascida no Egito que se dedica à gastronomia há mais de 50 anos; e publicações de Madhur Jaffrey, atriz indiana que também escreveu sobre a cozinha de sua terra natal.

Além do conhecimento sobre comida, a biblioteca oferece uma oportunidade de observar de perto o apetite incansável que Nina Horta tinha pela gastronomia, sempre presente nas suas colunas da Folha. Seu texto influenciou gerações com um estilo direto, simples, por vezes cômico e também erudito, ao falar de uma comida que não se resume às cozinhas.

Ela recebeu o prêmio Jabuti de Gastronomia em 2016 com o livro "O Frango Ensopado da Minha Mãe" (ed. Companhia das Letras, 288 págs.), que reúne algumas de suas crônicas. Ela começou a escrever sobre gastronomia no jornal em 1987.

Ao lado dos livros, o memorial instalado no Culinary Village também vai exibir o vigoroso fogão Viking, descrito em uma coluna de 2015 na Folha, junto dos armários de uma madeira já um tanto gasta da cozinha de 55 anos de Nina. Peças como um galo de cerâmica, uma panela de cobre e muitas louças, vindas de lugares como França, Alemanha, Japão e Inglaterra, também serão expostas e renovadas a cada três meses.

A ideia de remontar ali a cozinha de Nina partiu do chef francês Patrick Martin, que ajudou a implantar a Le Cordon Bleu no Brasil em 2018, quando foi ver ao vivo o acervo de obras da cronista, que ele não chegou a conhecer pessoalmente. "Quando fui até lá, vi livros por todos os lados e a cozinha da casa. Entendi que esse patrimônio era a oportunidade de uma vida", diz Martin.

A inauguração do complexo marca um momento de crescimento da Le Cordon Bleu no Brasil, segundo Martin. O Culinary Village engloba coworking, um café que vai servir refeições e também uma cozinha que pode ser alugada por empresas para dinâmicas ou usada para desenvolvimento de produtos em conjunto com a rede de ensino francesa. Um exemplo desse trabalho é uma parceria com a Ofner, concretizado em uma linha de sobremesas, chocolates e um panetone, que serão lançados nos próximos meses.

A instituição está expandindo seu curso de gastronomia de ensino superior, hoje disponível apenas em São Paulo, para Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Recife. Em novembro, vai publicar um livro sobre cozinha brasileira –uma dessas novidades que, provavelmente, estaria no radar curioso de Nina.


Memorial Nina Horta
R. Natingui, 862, 1° andar, Vila Madalena, região oeste. Seg. a sex., das 8h às 18h.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.