Empreendedores sociais fazem imersão em presídio humanizado em MG

Integrantes da Rede Folha participaram de encontro na Apac de São João del Rei para debater influência em políticas públicas e colaboração

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homens e mulheres sentados no pátio de um presídio humanizado em Minas Gerais

De 22 a 24 de junho, empreendedores sociais da Rede Folha participaram de encontro na Apac de São Joao del Rei, exemplo de presídio humanizado no país Marlene Bergamo/Folhapress

São João del Rei

Durante três dias, 22 empreendedores sociais da Rede Folha participaram de encontro na Apac (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) de São João del Rei (MG), uma das 68 unidades prisionais sem armas nem polícia do país.

Em uma sala de aula do regime fechado, os líderes de ONGs e negócios sociais, entre finalistas e vencedores do Prêmio Empreendedor Social, foram recebidos por Valdeci Ferreira, premiado em 2017 pela metodologia de humanização das prisões.

"Nossa terapêutica penal se baseia em 12 eixos de metodologia sustentada em amor, confiança e disciplina", disse Ferreira aos colegas da Rede Folha.

O diretor do Centro Internacional de Estudos do Método Apac foi o anfitrião do encontro realizado de 22 a 24 de junho.

Nas boas-vindas, Ferreira apresentou dados das Apacs, que registram reincidência média 13,9%, ante índice de 80% nos presídios comuns e têm custo mensal por preso de R$ 1.422,39, metade do gasto per capita no sistema tradicional.

"A indústria do preso cresce absurdamente", disse Ferreira, ao criticar o enriquecimento de fornecedores de quentinhas "às custas da miséria dos encarcerados".

"Os gastos com segurança também vão para o ralo", falou Antonio Fuzzato, diretor da Apac de São João del Rei, que se destaca também pelas instalações --cozinha equipada e tocada pelos próprios internos, celas limpas, oficinas de capacitação profissional, capela e horta.

As obras custaram R$ 1,6 milhão, contra R$ 13 milhões gastos na construção de um presídio na região.

A plateia buscava entender por que as Apacs ainda são exceção num sistema em crise no país que tem a terceira maior população carcerária do mundo.

Com 711.463 presos, segundo o Conselho Nacional de Justiça, o Brasil fica atrás só de EUA e China. No total, as Apacs abrigam 7.000 recuperandos, cerca de 1% dos presos no país.

Ferreira explica que há 163 experiências do método Apac em todo o país em diferentes estágios de implantação, até chegar às administradas sem polícia, nas quais as chaves ficam com os presos, chamados de "recuperandos".

Em Minas Gerais, onde virou política pública há mais de uma década, já são 49 destes presídios. "Apontamos um caminho", concluiu Ferreira.

A visita permitiu à Rede Folha se conectar e buscar pontos de sinergias entre as organizações.

No painel "Como Empreendedores Sociais Podem Influenciar Políticas Públicas", David Hertz, fundador da Gastromotiva, e Luciana Quintão, à frente do Banco de Alimentos, falaram sobre a experiência do movimento Pacto Contra a Fome.

"Um diferencial do pacto é ter se tornado lugar de articulação e de inteligência", disse David.

A imersão em São João del Rei motivou Hertz a retomar projeto de formação em gastronomia em penitenciárias que foi interrompido em 2014. "É uma linha a ser trilhada com as Apacs."

Os irmãos Eugênio e Caetano Scanavino, da ONG Saúde & Alegria na Amazônia, também se mostraram impactados pela visita à Apac.

"Taí uma solução que mostra ser possível fazer o que todos dizer ser impossível. É hora de escalar isso como política pública nacional", disse Caetano, após se emocionar com detentos mais jovens cuidando os mais velhos e incapacitados.

Para incidir no novo governo, Eugênio pediu aos empreendedores que elencassem tecnologias sociais já testadas com maior potencial para futura articulação em rede.

"É preciso fazer pontes com o poder público para que essas soluções virem políticas públicas", disse o decano do grupo, premiado em 2005, quando a Folha passou a realizar o Prêmio Empreendedor Social no país, em parceria com a Fundação Schwab.

O Saúde & Alegria desenvolve projetos sustentáveis como política pública, entre eles o Programa da Saúde da Família Fluvial, a bordo de barcos que atendem 7.000 ribeirinhos e indígenas no Pará.

O segundo dia de encontro teve o workshop "Liderança para Mudança Sistêmica", conduzido por Adriana Mallet e Sabine Zink, cofundadoras da SAS Brasil, premiada em 2021 como modelo inovador de assistência à saúde por meio de telemedicina.

Elas atuam com foco nos 65 milhões brasileiros sem acesso a especialistas e forçados a se deslocar em média 72 km em busca de atendimento médico.

Adriana e Sabine compartilharam ensinamentos do curso que fizeram em março na Universidade Harvard, a partir de exemplos práticos como a produção de vacina na pandemia e o combate à fome.

O encontro permitiu discussões sobre o papel da Rede Folha e estratégias de colaboração entre os 164 integrantes para tornar a comunidade mais ativa.

Os empreendedores debateram sobre o fato de a rede estar atrelada à Folha. "Podemos influenciar a pauta socioambiental no jornal e aproveitar mais os espaços editoriais para divulgar nossas experiências", propôs Caetano Scanavinno.

"Quem vai empreender a própria Rede Folha?", provocou Leonardo Letelier, da Sitawi Finanças do Bem, em resposta à proposta de promover mais ações conjuntas para fortalecer a comunidade formada em 2011.

No encerramento do encontro no sábado (24), o pátio do presídio enfeitado para festa junina foi o cenário para uma rodada de conversas.

"Saio desse encontro ciente sobre o andar juntos e transformar realidades com alegria e de coração aberto", disse Bel Motta, cofundadora do União BR, movimento que nasceu na pandemia.

"Foi muita inspiração, comida boa e confraternização", resumiu Mariana Madureira, da ONG Raízes, referindo-se aos papos durante as refeições preparadas e compartilhadas com os recuperandos.

"Inicialmente, achava as iniciativas muito maiores que a minha, em recursos, em alcance", diz Stelinha Moraes, da ONG Anjos da Tia Stelinha, que atua no Morro dos Macacos, no Rio de Janeiro. "Depois de dois dias aqui, percebi que nossa iniciativa era tão incrível quanto as demais e transforma a vida de mulheres."

Após conhecer a Apac feminina, Stelinha promete levar o projeto Mãe e Muito + para as recuperandas. "Vi ali oportunidade de minimizar os efeitos do cárcere oferecendo emancipação e acolhimento", afirmou. "Estamos começando a articulação. É esse o significado de estar na Rede Folha!"

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