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A pedagogia do crack

Por incrível que pareça, é uma boa notícia: crianças de rua em São Paulo estão cheirando mais cola.

Boa notícia porque eles usam mais o solvente para compensar o crack. Ao se disseminar no início da década de 90, essa versão ainda mais devastadora da cocaína jogou gasolina na fogueira da violência.

Pesquisa realizada pelo SOS Criança detectou tendência que, se confirmada, é uma das melhores notícias para os paulistanos.

Foram entrevistadas, entre janeiro e março deste ano, 480 crianças de rua, espalhadas nos mais diversos bairros. O consumo de crack aparece em baixa nesta amostragem parcial, quase próximo de zero - a coleta final termina no final do ano.

Desde 1998, percebiam-se sinais de que a epidemia do crack estava cedendo, embora lentamente. A droga era consumida por 27% dos entrevistados. No ano seguinte, caiu para 19%.

Em compensação, a cola subiu, no mesmo período, de 48% para 64%.

Em Nova York, a exemplo do que ocorre, agora, em São Paulo, os adolescentes explicam que a didática do crack é eficaz.

Viram os amigos morrerem rapidamente e, eles próprios, os sobreviventes, sentiram seus efeitos.

"Deixei o crack depois de ver tanta loucura e tanta gente dançar", afirma Esmeralda Ortiz, ex-viciada em crack que está escrevendo livro sobre como enfrentou a droga e saiu da rua.

*

Lidando com vítimas de crack há 10 anos, o psiquiatra Auro Danny Lescher, da Universidade Federal de São Paulo, diz que prefere aguardar mais tempo para afirmar que os dados captados indicam uma tendência.

Inegável, porém, segundo ele, é que a explosão já passou e cresce o arrependimento.

"O arrependimento entre os viciados de crack é maior. É um fator didático para todos, desestimulando o consumo", afirma Auro.

Provocada, em parte, pela ação policial que atacou redutos do crack, a redução dessa epidemia é um dos fatores que permitem uma aposta (arriscada, reconheço) sobre a violência em São Paulo: parou piorar. Chegamos, enfim, ao fundo do poço.

Se vamos continuar nesse patamar de violência intolerável é a outra questão.

Há indicações concretas de que a reversão saiu do campo das inviabilidades crônicas.

*

Uma das indicações se viu, sexta-feira passada, com a mobilização pela paz, mexendo com toda a cidade.

Cada vez mais a opinião pública vai julgar o governante pela sua capacidade de reduzir as taxas de violência.

A popularidade do governador vai estar, em larga medida, depositada nos resultados da criminalidade. É um movimento semelhante ao que ocorria com os ministros da Fazenda nos períodos inflacionários - mais inflação, menos prestígio.

Daí se entende por que os candidatos a prefeito apresentam, como prioridade de suas plataformas, idéias contra a violência; a maioria delas, diga-se, irrealistas, demagógicas ou, embora acertadas, com efeito de médio ou longo prazos.

Segurança, enfim, é a obsessão nacional. E vai ser assim por muito tempo, obrigando as polícias, na marra, a ser mais eficientes.

*

Há dados objetivos para sustentar a aposta, pelo menos em São Paulo, de que a criminalidade parou de piorar e até pode até declinar.

Encostado na parede, o governo Mário Covas prende, em média, 10 mil pessoas por mês. Dessas, mil permanecem na cadeia.

Resultado: nunca tanta gente esteve presa. Ao todo, são 89 mil presidiários.

Investiu-se mais em segurança, aumentando o policiamento preventivo e disseminando experiências de polícia comunitária. Melhorou? Pouquíssimo.

Uma análise das estatísticas sugere que a delinquência estacionou. Pequeno consolo, mas consolo.

Comparando os homicídios dos 27 últimos finais de semana com os finais de semana do semestre passado, houve um leve declínio: caiu de 1413 para 1401.

Se pegarmos, porém, o índice geral de criminalidade (e aí englobam-se dos furtos aos sequestros), comparando os semestres, a queda é de 4%.

É uma queda ainda imperceptível para uma cidade com roubos e assaltos por todos os lados.

*

Não vamos nos iludir. A queda da violência para níveis civilizados é tarefa de geração. Só é rápida no discurso dos políticos.

Há, porém, bons motivos para a apostar de que a tendência é o declínio.

Além da redução do crack, maior mobilização social, fiscalização das políticas e mais empenho dos governadores, há um consenso nos governos, imprensa e opinião pública de que as causas devem ser atacadas.

E as causas estão na exclusão social: falta de escola, lazer, saúde, emprego. Exemplo de ação positiva em andamento: deixar abertas as escolas nos finais de semana, oferecendo lazer.

Difícil, hoje, encontrar uma grande empresa sem um trabalho social, geralmente voltado à educação dos excluídos. É o efeito desse novo mecanismo de business chamado marketing social.

Se o que leio dos economistas for verdadeiro (o que, claro, é uma imensa dúvida) entramos na rota do crescimento - lento, mas crescimento.

Crescimento significa mais empregos e mais impostos. Em poucas palavras, mais chances para se enfrentar com menos fragilidade a exclusão social.


Leia mais:
- Pesquisa SOS Crianças sobre drogas (download)
- Dossiê auxilia na análise da violência urbana
- Mapa revela onde é mais fácil ser assassinado (Gilberto Dimenstein)
- Guga poderia virar um assassino? (Gilberto Dimenstein)
- Violência tem cura? (Aprendiz do Futuro)
- Violência se resolve com emprego e educação, acreditam paulistanos
- Paulistano quer ação social contra a violência

 

 
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