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Gostaria
de saber quem defende o jornalista Pimenta Neves. E gostaria de entender
melhor a fúria que se volta contra ele. Claro, ele matou. Claro, ele
deve ser condenado. Não me convencem argumentos de que Pimenta Neves
deveria pegar uma pena leve, por se tratar de um crime passional,
de um ato impulsivo, etc.
Mas as reações ao caso --que me perdoem as mulheres, especialmente
indignadas-- vão se tornando exaltadas demais. Uma carta, publicada
ontem na Folha, chama Pimenta Neves de "hipócrita sanguinário";
outra reclama do tratamento dado pela imprensa ao assassinato de mulheres,
dizendo que andam acobertando o criminoso.
Os responsáveis pelo massacre da Candelária --alguém se lembra do
rosto deles? Os policiais da Favela Naval de Diadema --apareceram
na capa das três principais revistas do país? O assassino de Sandra
Gomide inspira, entretanto, uma indignação maior do que a de todos
os matadores de crianças, índios e sem-terras juntos. O que está em
jogo? Muitas coisas.
1) Houve, sim, perplexidade e comiseração por parte dos jornalistas
homens que conheceram pessoalmente Pimenta Neves. De muitos ele foi
amigo. Há, no mínimo, uma coisa que passa pela cabeça do jornalista:
"nunca acreditei que ele fosse capaz de fazer isso". E outra, logo
em seguida: "será que eu seria levado também a fazer isso numa crise
de loucura, de ciúmes, de narcisismo ferido?" A proximidade --etária,
social, profissional-- com o criminoso não leva a considerá-lo inocente,
e ninguém o considera inocente; mas leva o jornalista homem a se colocar
mais facilmente na situação do criminoso. Torna-o hipoteticamente
mais próximo do crime.
2) É uma mesma proximidade etária, social e profissional que faz a
jovem jornalista mulher identificar-se de imediato com a vítima.
"Poderia ter sido eu a assassinada". O deputado da moto-serra é sem
dúvida mais sanguinário que Pimenta Neves. Mas suas vítimas não são
"como a gente".
3) E não morreram "por amor". Surge como uma traição extrema o fato
de declarações apaixonadas se transformarem em homicídio. O julgamento
de Pimenta Neves se desloca para um julgamento do sexo masculino,
por várias razões. A mulher é a seduzida, a enganada, a que acreditou
nas juras do homem. Muitas mulheres são abandonadas por seus namorados
e sofrem, sem matar. O homem, velho, feio e poderoso, se serve da
mulher como bem entende. É assim que o caso se torna odioso quando
a mulher, exercendo uma prerrogativa masculina --o popular "pé-na-bunda"--,
é assassinada. Parece que com isso se está negando o direito de toda
mulher de largar de um sujeito; e o caso soa, não só como um crime,
mas como um ato lesivo à independência de toda mulher.
4) A indignação tem outro aspecto, mais sombrio. Sandra Gomide foi
promovida, recebeu excelentes salários, foi certamente protegida por
Pimenta Neves. Sua ascensão pode ser vista como fruto da pura competência
profissional, mas parece claro que o romance ajudou em sua carreira.
O fato não é incomum. No ódio a Pimenta Neves, pode-se perceber também
o ódio a essa situação. Uma jornalista jovem pode ascender na carreira
por merecimento, sem nunca ter-se envolvido com seus superiores; há
também a que subiu graças a um envolvimento amoroso, e a que não subiu
porque nunca teve envolvimento amoroso --em qualquer caso, a sombra
do poder masculino se projeta sobre a atividade profissional da mulher,
esta se vê de imediato contestada, o assassinato contesta-a mais ainda
e a indignação se reforça por amor-próprio.
5) Não só o poder, mas a arrogância masculina nas redações é um fato.
Pimenta Neves merece ser condenado pelo crime que cometeu. Serve como
um Judas em sábado de aleluia, entretanto, para todas as pessoas,
homens e mulheres, que sofreram humilhações e broncas injustas nas
salas de redação.
Falei, no começo do artigo, da "fúria" contra Pimenta Neves. Usei
o termo de forma antipática, como se dissesse: "ora, ora, acalmem-se,
que histeria toda é essa?" Termino pensando de modo diferente. Há
muitas razões para a fúria. Esta se volta contra a desigualdade de
poder entre homens e mulheres, entre velhos e jovens, contra a discriminação
e o machismo que persistem na sociedade brasileira. O que não me parece
adiantar muito, ou pelo menos não avança no debate, é personalizar
toda a fúria em cima de Pimenta Neves. Podem condená-lo a mil anos
de cadeia; não irei defendê-lo; mas o destino de Pimenta Neves não
é o que realmente mobiliza nesse caso.
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