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Marcelo Coelho
  1º de setembro
  Mata o homem
 
   
Gostaria de saber quem defende o jornalista Pimenta Neves. E gostaria de entender melhor a fúria que se volta contra ele. Claro, ele matou. Claro, ele deve ser condenado. Não me convencem argumentos de que Pimenta Neves deveria pegar uma pena leve, por se tratar de um crime passional, de um ato impulsivo, etc.

Mas as reações ao caso --que me perdoem as mulheres, especialmente indignadas-- vão se tornando exaltadas demais. Uma carta, publicada ontem na Folha, chama Pimenta Neves de "hipócrita sanguinário"; outra reclama do tratamento dado pela imprensa ao assassinato de mulheres, dizendo que andam acobertando o criminoso.

Os responsáveis pelo massacre da Candelária --alguém se lembra do rosto deles? Os policiais da Favela Naval de Diadema --apareceram na capa das três principais revistas do país? O assassino de Sandra Gomide inspira, entretanto, uma indignação maior do que a de todos os matadores de crianças, índios e sem-terras juntos. O que está em jogo? Muitas coisas.

1) Houve, sim, perplexidade e comiseração por parte dos jornalistas homens que conheceram pessoalmente Pimenta Neves. De muitos ele foi amigo. Há, no mínimo, uma coisa que passa pela cabeça do jornalista: "nunca acreditei que ele fosse capaz de fazer isso". E outra, logo em seguida: "será que eu seria levado também a fazer isso numa crise de loucura, de ciúmes, de narcisismo ferido?" A proximidade --etária, social, profissional-- com o criminoso não leva a considerá-lo inocente, e ninguém o considera inocente; mas leva o jornalista homem a se colocar mais facilmente na situação do criminoso. Torna-o hipoteticamente mais próximo do crime.

2) É uma mesma proximidade etária, social e profissional que faz a jovem jornalista mulher identificar-se de imediato com a vítima.

"Poderia ter sido eu a assassinada". O deputado da moto-serra é sem dúvida mais sanguinário que Pimenta Neves. Mas suas vítimas não são "como a gente".

3) E não morreram "por amor". Surge como uma traição extrema o fato de declarações apaixonadas se transformarem em homicídio. O julgamento de Pimenta Neves se desloca para um julgamento do sexo masculino, por várias razões. A mulher é a seduzida, a enganada, a que acreditou nas juras do homem. Muitas mulheres são abandonadas por seus namorados e sofrem, sem matar. O homem, velho, feio e poderoso, se serve da mulher como bem entende. É assim que o caso se torna odioso quando a mulher, exercendo uma prerrogativa masculina --o popular "pé-na-bunda"--, é assassinada. Parece que com isso se está negando o direito de toda mulher de largar de um sujeito; e o caso soa, não só como um crime, mas como um ato lesivo à independência de toda mulher.

4) A indignação tem outro aspecto, mais sombrio. Sandra Gomide foi promovida, recebeu excelentes salários, foi certamente protegida por Pimenta Neves. Sua ascensão pode ser vista como fruto da pura competência profissional, mas parece claro que o romance ajudou em sua carreira. O fato não é incomum. No ódio a Pimenta Neves, pode-se perceber também o ódio a essa situação. Uma jornalista jovem pode ascender na carreira por merecimento, sem nunca ter-se envolvido com seus superiores; há também a que subiu graças a um envolvimento amoroso, e a que não subiu porque nunca teve envolvimento amoroso --em qualquer caso, a sombra do poder masculino se projeta sobre a atividade profissional da mulher, esta se vê de imediato contestada, o assassinato contesta-a mais ainda e a indignação se reforça por amor-próprio.

5) Não só o poder, mas a arrogância masculina nas redações é um fato. Pimenta Neves merece ser condenado pelo crime que cometeu. Serve como um Judas em sábado de aleluia, entretanto, para todas as pessoas, homens e mulheres, que sofreram humilhações e broncas injustas nas salas de redação.

Falei, no começo do artigo, da "fúria" contra Pimenta Neves. Usei o termo de forma antipática, como se dissesse: "ora, ora, acalmem-se, que histeria toda é essa?" Termino pensando de modo diferente. Há muitas razões para a fúria. Esta se volta contra a desigualdade de poder entre homens e mulheres, entre velhos e jovens, contra a discriminação e o machismo que persistem na sociedade brasileira. O que não me parece adiantar muito, ou pelo menos não avança no debate, é personalizar toda a fúria em cima de Pimenta Neves. Podem condená-lo a mil anos de cadeia; não irei defendê-lo; mas o destino de Pimenta Neves não é o que realmente mobiliza nesse caso.


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