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Cada
vez que abro o notebook, tenho vontade de digitar dois começos de
crônica. O primeiro - e o mais antigo - é "três vezes rodou" - fragmento
de um poema de Fernando Pessoa que nem sei porque sempre me vem
à cabeça quando penso iniciar qualquer texto.
Já procurei explicação para isso. Nem se trata de banal falta de
assunto. Mesmo quando estou motivado, com um tema preciso e inadiável,
os dedos procuram as teclas e surge na telinha o "três vezes rodou".
Funciona mais ou menos como uma senha, um código de acesso à memória
ou à cólera. A tecla que mais uso deleta as três palavras e eu sigo
adiante.
Esse "sigo adiante" é força de expressão. Vencida a primeira barreira,
surge outra, mais recente nem por isso menos frequente. É iniciar
qualquer texto, sobre qualquer tema, com um "abro a janela e vejo..."
Deve ser, também, força de expressão. Abrir janelas é recurso tradicional
de cronista sem assunto. Um truque que funciona para qualquer situação,
inspirado naquela baratinha que varrendo a casa encontrou um tostão.
Foi para janela espiar a vida, ver quem passava e perguntar se alguém
queria casar com ela. Diante de sua janela passaram o boi e o cavalo,
o leão e o canguru, o gato e o rato. Passou o mundo.
No meu caso ( se eu fosse poeta parnasiano, aqui colocaria um "ai!"
), não tenho tantas janelas assim, que valham a pena ser abertas.
Tenho um janelão que dá para a Lagoa, lá em baixo nunca passa um
boi ( cavalo às vezes passa, da Hípica, que é pertinho). De qualquer
forma, há uns 20 anos nunca por aqui passaram um leão ou um canguru.
Passa uma moça todas as manhãs, loura, num collant negro, de óculos
escuros, passo atlético. É com ela que mais ou menos começa o meu
dia. E é com ela que eu acabo esta crônica que de repente ficou
com um bom assunto.
Leia colunas anteriores
25/5/2000 -
A sombra das bananeiras
23/5/2000 -
O papa e o gato
18/5/2000 -
Orquestra típica
16/5/2000 -
Maiúscula e minúscula
11/5/2000 -
Assunto pessoal: as mãos
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