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Carlos Heitor Cony
cony@uol.com.br
  6 de junho
  O barril e a esmola
   
   

Zombavam de Diógenes. Além de morar num barril, volta e meia era visto pedindo esmolas às estátuas. Cegas por serem estátuas, eram duplamente cegas porque não tinham olhos - uma das características dos escultores gregos. Pela forma é que se penetrava na alma das estátuas, não pelo olhos.
Perguntaram a Diógenes porque pedia esmola às estátuas inanimadas, de olhos vazios. Ele respondia que estava se habituando à recusa. Pedindo a quem não o via nem o sentia, ele se habituava a não ser atendido.
É mais ou menos uma imagem que pode ser usada para definir as relações entre a sociedade e o poder. Tal como as estátuas gregas, o poder tem os olhos vasados, só olha para dentro de si mesmo, de seus interesses de continuidade e de mais poder.
A sociedade, em linhas gerais, não chega a morar num barril. Uma pequena minoria mora em coisa mais substancial. A maioria mora em espaços um pouco maiores do que um barril. E ha gente que nem consegue um barril para morar, fica mesmo embaixo da ponte ou por cima das calçadas.
Morando em coisa melhor, igual ou pior do que um barril, a sociedade tem necessidade de pedir não exatamente esmolas ao poder, mas medidas de segurança, emprego, saúde e educação. Dispõe de vários canais para isso mas todos se concentram, na etapa final, numa estátua fria, de olhos que nem estão fechados: estão vazios.
Pupilas vasadas que nada olham. Ou que olham errado - como no caso de Maria Antonieta, que sugeriu ao povo comer brioches à falta de pão.
Não sei por que lembrei o cinismo sábio de Diógenes e o cinismo burro de Maria Antonieta. Acho que tem a ver com um tipo de cinismo que nem é sábio nem burro. É um cinismo cruel, usado hoje em dia pelas autoridades brasileiras.


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A cela profanada
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