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Há
uma piada de português em que o sentinela de um forte avisa
ao seu comandante: "Coronel, há a oeste um grupo armado
que se aproxima velozmente do forte !" E o coronel: "Cabo
Joaquim ! São amigos ou adversários ?" Ao que
o sentinela responde, atordoado, depois de uma olhadela: "Pois
parecem amigos, coronel ! Vêm conversando !"
Me lembrei dela essas dias quando estava procurando um livro do
Popper na Amazon
quando vi que havia ali uma crítica extensa do livro feita
por um desses anônimos que infestam a internet com suas opiniões
sobre tudo. Me chamou atenção que o crítico
estava identificado como um "Top
500 Reviewer" , e então cliquei no sujeito pra ver
o que seria um crítico top 500. A ficha de reviews do nosso
filósofo estendia-se também sobre quase tudo vendido
pela amazon, de máquinas fotográficas a software,
de CDs a livros. Em todas as críticas, a mesma verborragia
e o mesmo aparente conhecimento de causa.
Não satisfeito, comecei a navegar pelos outros top 500 reviewers,
e a cacofonia ali é interessante. O crítico número
1 escreveu nada menos do que mais 1000 artigos sobre os mais diversos
tipos de livros. Outro faz-nos saber que suas áreas de interesse
são genealogia, história econômica e arquitetura
naval do período vitoriano (?).
São manifestações comuns dessa sofreguidão
que muitos usuários da internet têm de se fazer ouvir,
de aparecer, de se comunicar com alguém. Francis dizia que
o sujeito que escrevia para o jornal era um maluco. Nem tanto. Só
queria ter seu nome ali naquele pedaço nobre de papel, de
preferência sendo citado ou respondido por um colunista, ou
senão pelo menos mencionado na seção de cartas.
A beleza da internet é que não há nenhum editor
pra jogar as neuroses alheias na lata do lixo, e assim qualquer
sujeito com algo na cabeça e duas horas de leitura de código
pode espalhar suas idéias para uma audiência teoricamente
infinita.
Quando não tem idéias, também não tem
problema. Pode simplesmente montar o seu "blog", uma espécie
de website pessoal com vastas emoções e pensamentos
imperfeitos onde o sujeito conta sobre o seu dia, suas angústias,
suas compras, etc. Alguns, como a pioneira do ramo
Meg , colocam até uma webcam em suas casas e escritórios,
dando ao voyeur desocupado a chance de admirar a vacuidade alheia
e virar um "amigo", um "membro de uma comunidade".
Essa é a idéia de todos esses sujeitos, e de todos
aqueles que ficam propagandeando seus dotes físicos em salas
de chat, ou que montam páginas em "comunidades virtuais"
como as geocities
da vida, ou que entram em grupos de discussão, billboards,
etc.
É uma cacofonia, um monólogo a dois (ou muitos). O
que torna a verdadeira relação social interessante
são justamente os esforços que se têm de fazer
para relacionar-se com o próximo; é descobrir suas
qualidades e fraquezas, e saber lidar com ambas. É decifrar
o que o levantamento de sobrancelha significa; se aquele riso de
esgar é sinal de alegria ou de deboche ou de falsidade. Isso
é que é o enriquecedor do contato humano. O internauta
que inventa essas comunidades não tem nada disso, porque
nunca precisa conhecer o outro, sua identidade permanecerá
encoberta e assim ele tem a liberdade de dizer e fazer o que quiser,
e caso se irrite com alguém, é só dar um log
off.
Estamos todos conectados como nunca estivemos antes, mas a aldeia
global não tem nada de aldeia, e seus membros não
são confrades, mas atores. São apenas parte do fenômeno
recente de interesse popular pela vida daqueles que tem como grande
atrativo o fato de, justamente, serem tão desinteressantes
quanto o público que os assiste. Mas isso fica pra semana
que vem.
* * *
Erramos:
Quando falava aqui, há algumas
semanas , sobre essa ridícula eleição americana,
mencionava o fato amplamente conhecido de que Nixon, em 1960, teria
aceito uma vitória roubada de Kennedy, para não prejudicar
a ordem constitucional dos Estados Unidos. Era um dos poucos exemplos
de decência de Nixon em uma vida vil. Pois parece que, como
grande parte dos fatos amplamente conhecidos e insuspeitáveis,
esse também não confere. Artigo publicado na Slate
mostra que falei bobagem. Nixon e seus comparsas perseguiram a vitória
até onde os juízes americanos permitiram.
Leia colunas anteriores
19/11/2000 - Até
onde vamos ?
12/11/2000 - Muito a leste, e já
se chega ao oeste
05/11/2000 - Ou é burro, ou é mais
esperto do que imaginamos
29/10/2000 - Primeiro, derrubemos
a família. Depois...à revolução
22/10/2000 - A um passo do genocídio
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