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Gustavo Ioschpe
desembucha@uol.com.br"
  26 de novembro
Um animal social
 
   

Há uma piada de português em que o sentinela de um forte avisa ao seu comandante: "Coronel, há a oeste um grupo armado que se aproxima velozmente do forte !" E o coronel: "Cabo Joaquim ! São amigos ou adversários ?" Ao que o sentinela responde, atordoado, depois de uma olhadela: "Pois parecem amigos, coronel ! Vêm conversando !"

Me lembrei dela essas dias quando estava procurando um livro do Popper na Amazon quando vi que havia ali uma crítica extensa do livro feita por um desses anônimos que infestam a internet com suas opiniões sobre tudo. Me chamou atenção que o crítico estava identificado como um "Top 500 Reviewer" , e então cliquei no sujeito pra ver o que seria um crítico top 500. A ficha de reviews do nosso filósofo estendia-se também sobre quase tudo vendido pela amazon, de máquinas fotográficas a software, de CDs a livros. Em todas as críticas, a mesma verborragia e o mesmo aparente conhecimento de causa.

Não satisfeito, comecei a navegar pelos outros top 500 reviewers, e a cacofonia ali é interessante. O crítico número 1 escreveu nada menos do que mais 1000 artigos sobre os mais diversos tipos de livros. Outro faz-nos saber que suas áreas de interesse são genealogia, história econômica e arquitetura naval do período vitoriano (?).

São manifestações comuns dessa sofreguidão que muitos usuários da internet têm de se fazer ouvir, de aparecer, de se comunicar com alguém. Francis dizia que o sujeito que escrevia para o jornal era um maluco. Nem tanto. Só queria ter seu nome ali naquele pedaço nobre de papel, de preferência sendo citado ou respondido por um colunista, ou senão pelo menos mencionado na seção de cartas. A beleza da internet é que não há nenhum editor pra jogar as neuroses alheias na lata do lixo, e assim qualquer sujeito com algo na cabeça e duas horas de leitura de código pode espalhar suas idéias para uma audiência teoricamente infinita.

Quando não tem idéias, também não tem problema. Pode simplesmente montar o seu "blog", uma espécie de website pessoal com vastas emoções e pensamentos imperfeitos onde o sujeito conta sobre o seu dia, suas angústias, suas compras, etc. Alguns, como a pioneira do ramo Meg , colocam até uma webcam em suas casas e escritórios, dando ao voyeur desocupado a chance de admirar a vacuidade alheia e virar um "amigo", um "membro de uma comunidade".

Essa é a idéia de todos esses sujeitos, e de todos aqueles que ficam propagandeando seus dotes físicos em salas de chat, ou que montam páginas em "comunidades virtuais" como as geocities da vida, ou que entram em grupos de discussão, billboards, etc.
É uma cacofonia, um monólogo a dois (ou muitos). O que torna a verdadeira relação social interessante são justamente os esforços que se têm de fazer para relacionar-se com o próximo; é descobrir suas qualidades e fraquezas, e saber lidar com ambas. É decifrar o que o levantamento de sobrancelha significa; se aquele riso de esgar é sinal de alegria ou de deboche ou de falsidade. Isso é que é o enriquecedor do contato humano. O internauta que inventa essas comunidades não tem nada disso, porque nunca precisa conhecer o outro, sua identidade permanecerá encoberta e assim ele tem a liberdade de dizer e fazer o que quiser, e caso se irrite com alguém, é só dar um log off.

Estamos todos conectados como nunca estivemos antes, mas a aldeia global não tem nada de aldeia, e seus membros não são confrades, mas atores. São apenas parte do fenômeno recente de interesse popular pela vida daqueles que tem como grande atrativo o fato de, justamente, serem tão desinteressantes quanto o público que os assiste. Mas isso fica pra semana que vem.

* * *

Erramos:
Quando falava aqui, há algumas semanas , sobre essa ridícula eleição americana, mencionava o fato amplamente conhecido de que Nixon, em 1960, teria aceito uma vitória roubada de Kennedy, para não prejudicar a ordem constitucional dos Estados Unidos. Era um dos poucos exemplos de decência de Nixon em uma vida vil. Pois parece que, como grande parte dos fatos amplamente conhecidos e insuspeitáveis, esse também não confere. Artigo publicado na Slate mostra que falei bobagem. Nixon e seus comparsas perseguiram a vitória até onde os juízes americanos permitiram.



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