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Gustavo Ioschpe
desembucha@uol.com.br"
  6 de dezembro
O onipresente
 
   

A evolução das comunicações não está ajudando só o malogrado processo de globalização, como também criando um fenômeno micro que talvez tenha efeitos mais prolongados e significativos do que mais essa onda de abertura global que, como todas as outras, passará eventualmente.

A combinação da miniaturização com o aperfeiçoamento de tecnologias de localização estão criando, pela primeira vez, o ser humano "always on". Sempre alerta, como diriam os escoteiros.

Desde a época das cavernas até a popularização do telefone celular, o homem sempre teve um período do dia ou, pelo menos, uma época do ano em que estava inachável, como diria o Magri. Mesmo com a grande revolução da invenção do telefone, havia uma parte considerável do dia em que o sujeito estava fora do ar: no carro, no banheiro, no supermercado, no teatro, e, nas vizinhanças razoavelmente educadas, todos os dias depois das onze da noite, a não ser em caso de emergência.

Com a telefonia celular, isso praticamente acabou. Você virou encontrável a qualquer hora, em qualquer lugar. Havia refúgio nos aviões, mas esses também já serão, em breve, equipados com telefonia e acesso para Internet. Para profissionais onde agilidade é indispensável - como médicos, advogados e escravos da ciranda financeira - não ter celular é absurdo, e não atender ao celular, a qualquer hora, é prova irrefutável de falta de amor pela camiseta, passível da pena capital: a redução do bônus de fim de ano. Mas isso não é nada.

Daqui a pouco, seremos também permanentemente rastreáveis. A tecnologia GPS (Global Positioning System, de orientação via triangulação de satélites), que permite a localização de qualquer objeto no globo com uma margem de erro de um metro ou dois, vai aos poucos migrando das pontas de mísseis e encouraçados para os pulsos da população civil. À medida que a tecnologia fica mais barata e os aparelhos diminutos, aumenta o sentido de se dar uma unidade de GPS para todos. Pais que querem se assegurar da segurança de seus filhos, governos querendo monitorar presidiários, carros de gente que cansou de se perder, etc. Não é difícil imaginar o dia em que estaremos totalmente ligados, com obrigação de dar satisfação a Deus e o Diabo. E aí ?

E aí, pô, que teremos de mudar muito da nossa vida. O adultério, por exemplo, fica quase impossível, o que manda pro brejo uma boa dose de casamentos. Não teremos mais essa sensação de humildade, de perplexidade e medo frente ao desconhecido porque, mesmo no meio do deserto do Saara ou no Círculo Polar Ártico poderemos ligar do celular e pedir pra saber onde está a vendinha com Coca-Cola mais próxima. Perde-se muito do sentido de exploração. Perde-se a privacidade, o direito de chegar atrasado e contar uma mentirinha. Até a pequena transgressão fica mais complicada. Poderemos monitorar e ser monitorados todo o tempo. Os pais saberão dos devaneios dos filhos, que saberão onde estão os seus amigos, e assim por diante, até que sejamos todos nada mais do que um ponto ambulante em uma tela gigante que saberá, a qualquer momento, dos caminhos e descaminhos da humanidade.

E talvez chegaremos assim à ironia suprema de ver a civilização mais individualista de todos os tempos gerar uma sociedade em que não há individualidade alguma. 1984 talvez chegue com uns vinte anos de atraso, levado não pelo Big Brother, mas pela mão invisível do mercado.

 

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