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Josias de Souza
josias@uol.com.br
  3 de outubro
  I – Juca – Maluf
(à moda de Gonçalves Dias)
 
Em meio a trevas e intensos odores,
Cercado de suspeitas – coberto de rumores,
Alteia a voz Maluf em oração;
São muitos seus seguidores, nos ânimos torpes
Temíveis na urna, que em densos golpes
Assombram a lógica a cada eleição.

(...)

“Meu canto de sorte,
Malufistas, ouvi;
Sou filho das trevas,
Nas trevas cresci;
Malufistas, descendo
Da raça jabuti.

“Uma tribo mirabolante,
Que mesmo em fase errante
Exibe força irritante,
Malufistas, renasci:
Sou chato de bom porte,
Sou duro de morte;
Meu santo é forte,
Malufistas, sobrevivi.”

(...)

_ “Tu temeste pela ausência de norte?
Na presença de petistas choraste?
Não descende o covarde do forte;
Pois temeste, malufista não és!
Logo tu, dissidente maldito
De uma estirpe de nobres embusteiros,
Foste crer em vis parangolés.”

(...)

“O petista não tenhas por piedoso
Que do quibe quer fazer um salame,
Pondo nos lábios discurso meloso,
Zapt, Zupt, leva o chão dos teus pés!
Sê maldito e longevo na terra;
Pois a tanta vileza chegaste,
Que Pitta na Prefeitura acomodaste,
Tu, cúmplice, malufista legítimo és.”

Isto dizendo, o candidato velho,
A quem Alckmin, com ardor e enfado,
Os confins do inferno desejara,
Vai batendo o pé, sustentando as alegorias.
Na noite escura, sob densas trevas,
Palpando. – Calma! calma! – ele quase pára.
O grito que escutou é antigo estribilho.
Voz de urna que ouviu já tantas vezes
Noutra quadra melhor. – Calma! calma!
_ Esse momento a compensar-lhe
os tão sofridos transes, as angústias,
Que Nicéia e sua língua lhe causaram;
Mas o malufista, esse pai, dá e não cobra.
O tucanato, que tanta esperança alimentara,
Animado pelo súbito desgaste,
Desfaz-se agora em pranto copioso,
Que o combalido inimigo remoça.

(...)

O candidato quase parou, mas caiu nos braços
Do malufismo, velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando:
“Este, sim, que é meu pupilo muito amado!
E pois que o salvo enfim, como sempre, do declive,
Corram livres as lamentações e o choro,
Estas lamúrias, pois sim, não o desonram.”

O velho macambira, coberto de glória,
Guardou a vitória
Fez-se de novo guerreiro, o velho jabuti!
E à noite, sob trevas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia imprudente: -- “Meninos, eu sobrevivi!”
“Eu sobrevivi brioso e matreiro
Não me fiz prisioneiro
Ao canto da morte, nem sequer respondi.
Experiente, operei sem ter pejo;
Quem olha vê percevejo,
Mas sou mesmo um jabuti.

“Eu disse comigo: ante a infâmia, o desagravo!
Nunca levei um centavo;
Inocente e operoso, como eu, nunca vi!
E à fé que vos digo: parece-me um espanto
Que alguém que apanhou tanto,
Tivesse ainda a couraça de um jabuti!

Assim o macambira, coberto de glória,
Entrava para a história
Fez-se de novo guerreiro, velho jabuti.
E à noite, sob trevas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava imprudente: “Meninos, eu sobrevivi!”

*


O belo “I – Juca – Pirama”, de Gonçalves Dias (1823 – 1864), parodiado acima, é o poema preferido de Paulo Maluf. Aos que se interessarem, segue abaixo o original:

I – Juca – Pirama, Gonçalves Dias

No meio das tabas de amenos verdores,
Cercados de troncos – cobertos de flores,
Alteiam os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.

(...)

“Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.

“Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.”

(...)

_ Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o covarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.”

(...)

“Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo um vaso d’argila cuidoso
Arco e flecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, covarde, meu filho não és.”

Isto dizendo, o miserando velho
A quem Tupã tamanha dor, tal fado
Já nos confins da vida reservara,
Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias
Da noite escura as densas trevas
Palpando. – Alarma! alarma! – o velho pára.
O grito que escutou é voz do filho,
Voz de guerra que ouviu já tantas vezes
Noutra quadra melhor. – Alarma! alarma!
_ Esse momento só vale apagar-lhe
Os tão compridos transes, as angústias,
Que o frio coração lhe atormentaram
De guerreiro e de pai: -- vale, e de sobra.
Ele que em tanta dor se contivera,
Tomado pelo súbito contraste,
Desfaz-se agora em pranto copioso,
Que o exaurido coração remoça.

(...)

O guerreiro parou, caiu nos braços
Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando:
“Este, sim, que é meu filho muito amado!
E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,
Corram livres as lágrimas que choro,
Estas lágrimas, sim, que não desonram.”

Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: -- “Meninos, eu vi!”

“Eu vi o brioso no lago terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo;
Parece que o vejo,
Que o tenho nest’hora diante de mim.

“Eu disse comigo: que infâmia d’escravo!
Pois não, era um bravo;
Valente e brioso, como ele, não vi!
E à fé que vos digo: parece-me encanto
Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!”

Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: “Meninos, eu vi.”


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