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  17 de outubro
  Mulheres conspiram contra o feminismo
 
Nada evoluiu tanto no século 20 quanto a causa feminina. Não preciso ir longe para constatar. Em casa mesmo tenho a prova. Tomo café da manhã, almoço e janto com o fenômeno.

Sou dominado há doze anos por uma doce representante do sexo oposto, que se gaba de possuir uma única habilidade na cozinha: “abrir a geladeira”. Há três anos vejo-me também às voltas com uma menina cujo principal predicado é a capacidade de fazer de mim gato e sapato.

De modo que algo me dizia que talvez fosse recomendável prestar atenção a este 17 de outubro, Dia Internacional das Mulheres. No mínimo por instinto de auto-preservação. Nesta terça-feira, se der de cara com uma mancha arroxeada caminhando pelas ruas de sua cidade, não se espante. São elas. Planejam tingir o planeta de lilás, numa “Marcha Mundial das Mulheres”.

Visitei o sítio das organizadoras do movimento na Internet . Queria saber como os homens simpáticos à causa poderiam ajudar. Posicionando a seta do mouse em “como se juntar à marcha”, pressionei o botão. E descobri que a causa feminina dispensa contribuições. A adesão à marcha está restrita a:

1) ONGs de mulheres;

2) Comissões de mulheres de organizações que reúnam os dois sexos;

3) Organizações mistas que não possuam comissões de mulheres, desde que as mulheres detenham a liderança do processo.

Mesmo convencido da inutilidade masculina, continuei passeando pelo sítio da marcha. Cliquei em “reivindicações”. E me dei conta de que elas não estão mesmo para brinquedo. Entre uma e outra exigência, anotou-se o seguinte: “que a ONU acabe com todas as formas de intervenção, agressão ou ocupação militar.”

Em pensar que, a coisa de um século, elas não eram nada. Ou, por outra, estavam abaixo de coisa alguma. Não tinham direitos. Eram, primeiro, propriedade dos pais. Depois, dos maridos. E, em seguida, dos filhos.

Em sua fase de formulação, a própria teologia cristã associou-as ao lado escuro da vida, acomodando sobre os ombros delas a culpa pelo surgimento da indústria da moda e pelo sofrimento da humanidade. Não fosse pelo pecado original, a elas atribuído, ainda estaríamos vestindo folhas de parreira e usufruindo de todas as delícias do Éden.

De minha parte, torço por elas. Mesmo sentindo que, no jornalismo, já somos minoria. Olham-nos de esguelha, com um certo ar de enfado. Ainda assim, me arrisco a deitar sobre a tela meia dúzia de palavras sobre o feminismo no Brasil.

Entre nós, o maior desafio da mulher não é o homem. Ninguém conspira mais contra a mulher do que a própria mulher, eis a primeira constatação inevitável.

No momento, três personagens ajudam a compor a face feminina de nossa sociedade: a dama do silicone, a dama das passarelas e a dama politizada.

Feiticeira, Gisele Bündchen e Marta Suplicy. Todas, à sua maneira, alcançaram o sucesso. O futuro das mulheres está entrelaçado ao destino do trio.

A dama do silicone mereceu uma menção indireta no manifesto das feministas. Entre os objetivos da marcha desta terça-feira está o de “combater os processos de homogeinização de culturas e a mercantilização do corpo das mulheres pelos meios de comunicação.”

Nas décadas de 60 e 70, as fogueiras de sutiãs deram visibilidade e impulso à causa da libertação feminina. Era como se as mulheres quisessem informar ao mundo que iriam, finalmente, à luta. De peito aberto.

Pois nada simboliza com mais eficiência a encruzilhada do feminismo no Brasil do que o seio, uma sinuosidade que perdeu ó propósito original. Serve cada vez menos à função de fonte primária de nutrientes. Ao penetrar o caos do mercado de trabalho, a mulher aposenta o incômodo da maternidade.

Agigantado pelo silicone, o seio está exposto na gôndola do supermercado do sexo. É o quinta-coluna do feminismo. Ao lado da nádega, está a serviço da indústria da sedução. Presta-se à satisfação dos mais obscuros desejos machistas.

Um detalhe acrescenta perversidade ao fenômeno: as Feiticeiras nascem do útero do homem. São fabricadas num estalar de dedos, do dia para a noite. Sucedem-se aos borbotões: Tiazinhas, loiras e morenas do Tchan, garotas da banheira, o diabo.

Atraídas pelo cachê, elas balançam o traseiro e demais saliências diante das câmeras. Elas exibem suas reentrâncias nas páginas da Playboy. Acham que estão exercitando a liberdade conquistada. Qual nada. No fundo, são objetos criados e manipulados pelo homem. Desdobram-se para conquistá-lo. Nesse mercado, só entram as que satisfazem todos os caprichos do macho. Elas nunca foram tão dependentes.

A dama da passarela é prima-irmã da dama do silicone. Também vive de mercadejar a própria beleza. A diferença é que ela não é consumida apenas pelos homens. Desfila a sua exuberância no mercado da moda, voltado à satisfação do desejo irrefreável que a mulher nutre pelo fútil.

Mais do que o desejo masculino, Gisele Bündchen excita a inveja das mulheres. Dez em cada dez adolescentes querem imitá-la. Em São Paulo, um maluco apelidado de Maníaco do Parque atraiu para matagais insondáveis uma legião de garotas. Seduziu-as com a promessa de que as lançaria numa carreira de modelo. Matou-as munido apenas de um sonho. Recentemente, outro doido repetiu a mesma estratégia em Salvador.

Num mundo em que a mulher busca a valorização do próprio intelecto, a jovem brasileira agarra-se a armas convencionais. Persegue o sucesso valendo-se exclusivamente do corpo torneado e do belo rosto. Assume gostosamente a condição de objeto.

A dama politizada tenta mudar o quadro. Espera imprimir um toque feminino ao universo do poder político, tão pouco freqüentado pela mulher. Enfrenta o machismo do adversário, que tenta manchar-lhe a reputação feminina.

Se vencer a eleição, Marta Suplicy entrará para uma galeria freqüentada por poucas mulheres no Brasil. A última a reunir tanto poder em mãos ornadas com esmalte foi Zélia Cardoso de Melo. Trocou a força por um romance barato com o boto Bernardo Cabral. Depois, virou piada. A primeira piada a casar-se com um humorista. Voltou, sem trocadilho, para o leito de que tanto fogem as mulheres ditas modernas. Casou-se e virou mãe.

Entre Zélia e Marta houve Erundina. Mas Erundina não encarnou o padrão feminino. Viam-na quase como uma freira assexuada. Vinha do Partidão e do petismo tradicional. Sua beleza estava nos valores que representava, entre eles o da honestidade.

Marta é diferente. Se as pesquisas de opinião estiverem certas, o prefeito de São Paulo será uma mulher típica. Sim, o prefeito terá, finalmente, seios. Outrora, também serviu-se deles. Não como matéria de exposição. Mas como objeto de estudo. Ganhou fama dando aulas sobre sexualidade na TV.

Eleita, quer ser uma anti-Zélia. Quer tornar-se um contraponto a Feiticeiras e Giseles. Desafiam-na uma dívida astronômica e um cipoal de problemas.

Mas, por ora, seu maior obstáculo é o machismo do PT. Os machos da legenda já se irritam com a insinuação de que o PT que triunfa nas urnas de São Paulo não é o vermelho de macacão, mas o cor-de-rosa de tailler.

O PT quer como que masculinizar Marta. Quer mostrar que continua com os pés plantados no chão sujo das fábricas do ABC. Quer deixar claro que a legenda ainda fala grosso. Parecem desconfiar da capacidade feminina de Marta.

A mulher, insista-se, evoluiu horrores. Mas, antes de exigir o fim dos conflitos militares no mundo, precisa vencer, como se vê, desafios mais palpáveis. Assim como há mulheres que conspiram contra a própria causa, há homens que talvez possam ajudar. A discriminação é tolice que supera o machismo.


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