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Recebo
pelo correio o convite da Secretaria do Audiovisual do Ministério
da Cultura para participar do comitê de seleção
do 2. Grande Prêmio Cinema Brasil. Participei também
do primeiro, para a safra 1998/1999. Fui chamado tanto como crítico
de cinema quanto como especialista em documentários (dirijo
o Festival É Tudo Verdade).
Não é preciso gostar de "Orfeu" (o primeiro
vencedor), admirar a gestão Weffort ou o secretário
Moisés, torcer por FHC ou idolatrar Caetano Veloso para apoiar
a concessão anual de um prêmio para o melhor de nossa
produção audiovisual. O primeiro passo foi dado. Costuma
ser o mais difícil. Que não tenha sido em vão.
Estava em Berlim e não pude comparecer em fevereiro à
cerimônia de entrega do prêmio ou sequer assisti-la
pela TV. Falaram-me alhos e bugalhos da festa. Foram no mínimo
negligentes com o homenageado Anselmo Duarte. O breve trecho que
vi em reprise lembrava os tempos pioneiros da TV Tupi.
A saraivada de golpes não distinguiu idéia e realização.
Pior: atacou-se o prêmio não necessariamente tendo-o
por alvo preferencial. É evidente que houve acertos de contas
de toda espécie.
Primeiro, o projeto. Uma premiação anual para a produção
cinematográfica, ou audiovisual, é tanto um merecido
reconhecimento aos artistas e profissionais da área quanto
um instrumento de marketing de rara eficiência. Oscar, César,
Goya, David de Donatello, entre outros, estão ai para provar.
Por que abrir mão de um similar brasileiro?
Há o argumento de que privilegiaram a cereja em detrimento
do bolo, isto é, cuidaram do prêmio e da festa -no
limite, claro, secundários- enquanto a atividade fílmica
mesma, o essencial, clamava por maiores cuidados. Clamava, clama
e clamará. A crise é crônica e, hoje, grave.
Há uma extensa agenda para enfrentar a situação,
como pode-se ler no relatório final do recente 3. Congresso
Brasileiro de Cinema. A dúvida é se o prêmio,
ainda que não prioritário, teria razão de ser.
Acho que tem.
O difícil é organizá-lo, adaptando-o à
conjuntura nacional. Inexiste no Brasil uma organização
autônoma de profissionais do cinema e do audiovisual, como
a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de
Hollywood, consolidada a ponto de conduzir todo o processo de premiação.
Num gesto voluntarista, a Secretaria do Audiovisual assumiu o encargo.
O orgão não tinha e não tem infra-estrutura
e experiência para fazê-lo. Fez mais do que pode e ainda
assim deu no que deu.
Uma comissão de 14 especialistas foi indicada para desenvolver
o primeiro prêmio. A necessidade de contribuições
específicas levou à ampliação deste
primeiro grupo com o ingresso de novos participantes e a formação
de subcomissões (curtas de ficção e animação,
documentários, video, séries de TV).
Desde o início, decidiu-se que as cinco produções
indicadas para cada categoria seriam, para a definição
dos prêmios principais, apresentadas a um amplo colégio
eleitoral espalhado por todo o país. Assim foi feito.
Apostou-se que um processo transparente e representativo das várias
tendências ajudaria a compensar algumas da limitações
estruturais. Inúmeros tropeços marcaram os trabalhos.
Anunciou-se um nome para o prêmio sem o prévio consentimento
da família do homenageado. Subestimou-se o desafio da análise
de tantas produções -centenas em algumas das categorias.
A lista seria longa.
Haveria uma alternativa racional para fazer frente às deficiências
organizativas do processo de votação: contratar por
licitação pública uma empresa especializada
para produzir concretamente a escolha. Eu mesmo já participei
de júris desta natureza, com produção terceirizada
e exemplar eficiência. Entre outras vantagens, desafogaria
o dia-a-dia da minguada Secretaria do Audiovisual, permitindo a
ela concentrar-se nas ações verdadeiramente prioritárias,
enquanto suas limitações estruturais e institucionais,
apontadas pelo Congresso de Porto Alegre, não são
abordadas de frente.
A cerimônia atrasou, gastou demais, foi brega e incompetente?
OK, lição aprendida, mas seria estúpido jogar
a criança fora com a água do banho. É impossível
que não exista quem possa fazer melhor.
Outra sugestão. Criticou-se o fato de haver mais categorias
para cinema do que para TV. Mais justo teria sido aplaudir a iniciativa
de estabelecer uma premiação que reconhece conjuntamente
a contribuição de ambos para a produção
audiovisual brasileira. No Oscar e no César, por exemplo,
não é assim.
O próximo passo, reconhecendo-se a necessidade de ampliar
a premiação para produções televisivas,
poderia ser aumentar o número de categorias, aproximando
o Grande Prêmio de um Globo de Ouro (passe o trocadilho),
como que casando Oscar e Emmy.
Por fim, é evidente que há que se mudar o nome. Prêmio
Glauber desde o princípio pareceu-me uma alternativa eufônica
e simbólica -desde que dona Lúcia, herdeiras e herdeiros,
claro, abençoem a escolha. Amém.
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