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  30 de outubro
  Ciência em dia
 

O valor da floresta e o sexo dos anjos

A coluna da semana passada, sobre a péssima distribuição do valor da Amazônia entre brasileiros e sobre sua inclusão nas barganhas internacionais acerca da mudança climática, causou espécie em alguns leitores. O denominador comum parece ser certa aversão à idéia de atribuir valor econômico, no limite um preço, a um bem associado com valores "mais altos", como a floresta.

"Será que todas as questões devem ser observadas e discutidas pelo seu potencial retorno financeiro? Será que energia, arte, educação e florestas, ao adotarem pespectiva de cunho monetário, não perdem muito em qualidade?" -questionou Alessandro Ivo da Conceição.

Enviou também versos de Alberto Caeiro, o heterônimo de Fernando Pessoa, em apoio a seu ponto de vista.


Tenho o maior respeito por esse tipo de questionamento, que parte -curiosamente-também de valores, mas valores em sentido oposto e até contraditório com o econômico. No caso da Amazônia, a floresta teria de ser preservada, segundo esse ponto de vista, porque é a coisa certa a fazer. Vantagens pecuniárias não têm, e não poderiam ter, nada a ver com isso.

O problema com esse outro gênero de valores é que eles são por natureza incomunicáveis. Uns acreditam que o bem está em manter a mata de pé; outros, não (em especial no Brasil, um país em que mato sempre foi sinônimo de atraso). Ambientalistas contra desenvolvimentistas, eis aí um exemplo acabado de diálogo entre surdos.

Não morro de amores pela valoração da natureza, mas sou capaz de enxergar que partindo dela é possível encontrar um terreno comum. Destruir florestas, cada vez mais, é algo economicamente irracional. No curto prazo, pode dar um rendimento extraordinário, na forma de madeira cara e pastos verdes, mas em poucos anos a exuberância se esgota.

Se for possível mostrar com números que outras formas de exploração, como o manejo florestal, podem gerar uma renda mais modesta porém durável, e se o resultado final for mais preservação e mais empregos, as pessoas deveriam pôr seus valores morais entre parênteses e sentar à mesa para negociar e discutir.


Desenvolvimento limpo e sujo

Uma das formas de ganhar com a floresta é tentar incluí-la nas negociações internacionais sobre formas de combate ao efeito estufa, no âmbito do chamado Protocolo de Kyoto. O governo brasileiro é contra, e com ele fecham muitas pessoas razoáveis, mas o mesmo se pode dizer do campo oposto.

Não tem essa de um ser inimigo da pátria, ou agente da CIA. Quem envereda por essa linha de argumentação só pode estar querendo confundir.

Uma dessas pessoas razoáveis é Laura Valente, do Instituto Pró Sustentabilidade (Ipsus), que escreveu para discordar da idéia de usar a Amazônia no chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL):

"Ao se incluir as florestas (em pé, ou por atividades de uso de solo e florestamento), estaremos estabelecendo um mecanismo perverso para o clima como um todo. Ademais, os recursos são poucos, floresta tem de ser preservada de qualquer jeito e, 'vendendo' o carbono das florestas, só estamos facilitando para 'eles' poderem emitir mais", afirma Valente

"Não sou governo e também não tenho interesse em defender este ou aquele interlocutor. Tecnicamente, porém, acho uma temeridade apoiar a posição dos EUA, Canadá e Austrália. Pois é, pasme, os maiores poluidores e os mais renitentes em relação ao protocolo são justamente os que estão fazendo pressão para que as florestas sejam incluídas no MDL! Existem também inúmeros argumentos contra a inclusão de florestas no MDL -que, a meu ver, claramente significa incentivo a desenvolvimento limpo, e entendo que florestamento e reflorestamento são atividades de conservação de biodiversidade, não de desenvolvimento."

Respeito o ponto de vista de Laura Valente e gostaria de vê-lo mais debatido, publicamente (e já aviso que discordo da idéia de que manejo florestal, florestamento ou reflorestamento não sejam desenvolvimento).

O governo brasileiro -leia-se: Ministério da Ciência e Tecnologia- faria sua parte se concluísse e divulgasse logo o inventário nacional de emissões, quando então se tornará claro que queimadas e desmatamentos são a maior fonte de gases-estufa do Brasil.

O mesmo desmatamento que, para muita gente, ainda é sinônimo de... desenvolvimento.


Documentos

Um texto representativo de argumentos contra inclusão de florestas é a Declaração de Mount Tamalpais, do Movimiento Mundial por los Bosques Tropicales (WRM, na sigla em inglês), mas tenha em mente que suas ponderações se referem a plantações florestais, ou seja, monoculturas para reflorestamento (como no caso de eucaliptos).
Como contraponto, leia o texto "Manifestação da Sociedade Civil Brasileira sobre as Relações entre Florestas e Mudanças Climáticas e as Expectativas para a COP-6", manifesto resultante de seminário organizado semana passada, em Belém do Pará, pela ONG Ipam e pelo Ministério do Meio Ambiente (leia ainda reportagem da Folha sobre o evento).


Debate feroz sobre ianomâmis

Ainda no capítulo Amazônia, mas em relação à polêmica antropólogos vs. ianomâmis: a revista "Slate" acaba de publicar uma crítica devastadora do livro "Darkness in El Dorado", de Patrick Tierney. A obra, que ainda nem chegou às livrarias dos Estados Unidos, acusa o antropólogo Napoleon Chagnon e o geneticista James Neel de fazerem experimentos escabrosos com os ianomâmis da Venezuela, conforme informou a coluna de 25 de setembro.


Mais Amazônia

Descobertas arqueológicas recentes levantam mais dúvidas sobre os modelos de ocupação humana antes do Descobrimento, relatou ontem na Folha o repórter Claudio Angelo. O tema também foi debatido numa reunião de arqueólogos da América do Sul (leia artigo de Lúcia Nagib sobre o encontro).

Imagem da semana



NATUREZA VIVA - Parece um quadro de arte abstrata, mas é uma imagem de Io (satélite de Júpiter) feita pela sonda espacial Galileo em fevereiro. Mostra o mais longo derramamento de lava já registrado no Sistema Solar. As áreas esbranquiçadas na parte de baixo podem ser áreas cobertas de neve -neve de enxofre, não de água. Veja mais imagens de Io


Site da semana

Por falar em espaço, os aficionados podem divertir-se com a página do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da Nasa.


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Leia colunas anteriores
23/10/2000 - Está na hora de todos lucrarem com a Amazônia
16/10/2000 - Vêm aí os clones carolas
09/10/2000 - Morre a cientista que mais fez pela soja
02/10/2000 - Eleitor não tem QI de ameba, não
25/09/2000 -
Quem é mais feroz, ianomâmis ou antropólogos?

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