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Outro
dia, andando pela Avenida Massachusetts, em Washington, parei em
frente à embaixada da Romênia, numa praça redonda
chamada "Sheridan Circle", a uns cinco minutos de carro
da Casa Branca.
Na
meio da praça, a estátua de um general montando um
cavalo chama a atenção. Trata-se do general Phil Sheridan,
herói da Guerra Civil norte-americana e um dos principais
exterminadores de povos indígenas nos EUA.
Foi
num dos pontos ao redor dessa praça, mais exatamente em frente
à embaixada da Romênia, que, em 21 de setembro de 1976,
uma bomba explodiu sob o carro de Orlando Letelier, ex-chanceler
chileno, matando-o. Também morreu no atentado a norte-americana
Ronni Moffitt, que tinha 25 anos. O único sobrevivente foi
Michael Moffitt, marido de Ronni, que estava no banco de trás
do carro.
Letelier
e os dois Moffitts trabalhavam na IPS (Institute For Policy Studies),
uma entidade em Washington que atacava duramente a ditadura de Augusto
Pinochet no Chile.
Letelier,
exilado nos EUA, foi o alvo do atentado. Ele havia sido embaixador
do Chile nos EUA e ministro do governo socialista de Salvador Allende.
Letelier foi preso no golpe de Pinochet e permaneceu um ano num
campo de concentração chileno antes de voltar a Washington
como exilado.
Com
o atentado (praticado a mando da polícia secreta de Pinochet,
a Dina), o terrorismo internacional chegou aos EUA. Fiquei imaginando
a cena, o barulho. Lembrei-me de um livro escrito pelo promotor
do caso, Eugene Propper, descrevendo detalhes fortes do assassinato,
como o fato de Letelier, embora tenha perdido as duas pernas na
explosão, ter sobrevivido por uns quinze minutos dentro do
carro, preso nas ferragens. Sua secretária, jogada para fora
do carro, morreu porque um pedaço de metal perfurou-lhe a
carótida.
Na
época, o chefe da CIA era George Bush, pai do presidente
eleito George W. Bush. O mundo se esquece que havia pessoas nos
EUA interessadas em esclarecer o crime. Não porque odiavam
Pinochet e sua política assassina, mas porque não
toleravam atentados dentro do território dos EUA. Uma delas
era o promotor Propper, que se encontrou com Bush para trocar informações
sobre os principais suspeitos alguns dias depois do atentado.
Bush,
conforme relato do mesmo Propper, disse que não sabia de
nada mas que Letelier provavelmente havia sido assassinado por extremistas
de esquerda. Bush insinuou também que Letelier, que tinha
fama de mulherengo, poderia ter sido assassinado a mando de um poderoso
venezuelano, marido de uma amante de Letelier.
Bush
não estava só redondamente enganado. Ele estava tentando
enganar. Dias antes do atentado, Propper descobriu que havia chegado
a mesa de trabalho de Bush um pedido do governo chileno para que
alguns agentes entrassem nos EUA com passaportes falsos.
Mais
tarde descobriu-se que esses agentes eram os mesmos que planejaram
e executaram o atentado contra Letelier. E mais: Michael Townley,
o principal homem no atentado, era norte-americano e trabalhava
para a CIA.
Na
única vez em que falou sobre o assunto, Bush, que tornou-se
depois presidente dos EUA, disse que não prestou atenção
ao pedido em cima de sua mesa e que não sabia do envolvimento
de Townley no episódio.
Esse
é a personalidade de George Bush pai. Obscura.
Sei
que o mundo mudou, que a guerra fria acabou e que pessoas acham
que não há mais esquerda nem direita. O problema é
que assassinatos continuam sendo assassinatos e Pinochet, embora
doente, continua vivo. Os EUA são o único país
que pode processar Pinochet e pedir sua extradição
sem ofender leis internacionais, ao contrário do que vem
fazendo a Espanha e a Suíça. Isso porque Letelier
foi morto em território norte-americano.
Bill
Clinton esforçou-se para apressar as investigações
contra Pinochet nos EUA e liberou documentos importantes sobre o
atentado. Os únicos que não foram divulgados ainda
são os da CIA administrada por Bush. A eleição
de George W. Bush pode enterrar as últimas chances de que
esses documentos sejam liberados e que Pinochet seja processado
nos EUA. Triste, muito triste.
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