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  18 de dezembro
  Bush, Letelier e a perspectiva histórica
 

Outro dia, andando pela Avenida Massachusetts, em Washington, parei em frente à embaixada da Romênia, numa praça redonda chamada "Sheridan Circle", a uns cinco minutos de carro da Casa Branca.

Na meio da praça, a estátua de um general montando um cavalo chama a atenção. Trata-se do general Phil Sheridan, herói da Guerra Civil norte-americana e um dos principais exterminadores de povos indígenas nos EUA.

Foi num dos pontos ao redor dessa praça, mais exatamente em frente à embaixada da Romênia, que, em 21 de setembro de 1976, uma bomba explodiu sob o carro de Orlando Letelier, ex-chanceler chileno, matando-o. Também morreu no atentado a norte-americana Ronni Moffitt, que tinha 25 anos. O único sobrevivente foi Michael Moffitt, marido de Ronni, que estava no banco de trás do carro.

Letelier e os dois Moffitts trabalhavam na IPS (Institute For Policy Studies), uma entidade em Washington que atacava duramente a ditadura de Augusto Pinochet no Chile.

Letelier, exilado nos EUA, foi o alvo do atentado. Ele havia sido embaixador do Chile nos EUA e ministro do governo socialista de Salvador Allende. Letelier foi preso no golpe de Pinochet e permaneceu um ano num campo de concentração chileno antes de voltar a Washington como exilado.

Com o atentado (praticado a mando da polícia secreta de Pinochet, a Dina), o terrorismo internacional chegou aos EUA. Fiquei imaginando a cena, o barulho. Lembrei-me de um livro escrito pelo promotor do caso, Eugene Propper, descrevendo detalhes fortes do assassinato, como o fato de Letelier, embora tenha perdido as duas pernas na explosão, ter sobrevivido por uns quinze minutos dentro do carro, preso nas ferragens. Sua secretária, jogada para fora do carro, morreu porque um pedaço de metal perfurou-lhe a carótida.

Na época, o chefe da CIA era George Bush, pai do presidente eleito George W. Bush. O mundo se esquece que havia pessoas nos EUA interessadas em esclarecer o crime. Não porque odiavam Pinochet e sua política assassina, mas porque não toleravam atentados dentro do território dos EUA. Uma delas era o promotor Propper, que se encontrou com Bush para trocar informações sobre os principais suspeitos alguns dias depois do atentado.

Bush, conforme relato do mesmo Propper, disse que não sabia de nada mas que Letelier provavelmente havia sido assassinado por extremistas de esquerda. Bush insinuou também que Letelier, que tinha fama de mulherengo, poderia ter sido assassinado a mando de um poderoso venezuelano, marido de uma amante de Letelier.

Bush não estava só redondamente enganado. Ele estava tentando enganar. Dias antes do atentado, Propper descobriu que havia chegado a mesa de trabalho de Bush um pedido do governo chileno para que alguns agentes entrassem nos EUA com passaportes falsos.

Mais tarde descobriu-se que esses agentes eram os mesmos que planejaram e executaram o atentado contra Letelier. E mais: Michael Townley, o principal homem no atentado, era norte-americano e trabalhava para a CIA.

Na única vez em que falou sobre o assunto, Bush, que tornou-se depois presidente dos EUA, disse que não prestou atenção ao pedido em cima de sua mesa e que não sabia do envolvimento de Townley no episódio.

Esse é a personalidade de George Bush pai. Obscura.

Sei que o mundo mudou, que a guerra fria acabou e que pessoas acham que não há mais esquerda nem direita. O problema é que assassinatos continuam sendo assassinatos e Pinochet, embora doente, continua vivo. Os EUA são o único país que pode processar Pinochet e pedir sua extradição sem ofender leis internacionais, ao contrário do que vem fazendo a Espanha e a Suíça. Isso porque Letelier foi morto em território norte-americano.

Bill Clinton esforçou-se para apressar as investigações contra Pinochet nos EUA e liberou documentos importantes sobre o atentado. Os únicos que não foram divulgados ainda são os da CIA administrada por Bush. A eleição de George W. Bush pode enterrar as últimas chances de que esses documentos sejam liberados e que Pinochet seja processado nos EUA. Triste, muito triste.


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