|
Eu o vi pessoalmente duas vezes. Na primeira, durante a primária republicana na Carolina do Sul, em fevereiro do ano passado, George W. Bush caminhou uns duzentos metros cercado de um grupo de quatro jornalistas - dois norte-americanos, um argentino e um brasileiro (eu). O presidente eleito havia perdido a primeira primária republicana, em New Hampshire, para o azarão John McCain, herói da Guerra do Vietnã. Bush tentava exibir confiança em meio a uma avaliação crescente de que perderia a disputa partidária, apesar de ter arrecadado um volume de doações eleitorais jamais registrado. A julgar pela opinião pública nacional naquele momento, Bush seria um político basicamente inepto, um filhinho de papai incapaz de administrar sua vida pessoal, empresas e -principalmente- uma campanha presidencial. Bush acabou derrotando McCain na Carolina do Sul, a disputa partidária e, nas condições estranhas que todos nós acompanhamos, as eleições presidenciais.
Naquele dia na Carolina do Sul, Bush caminhava com a cabeça exageradamente empinada, como que querendo ver as pessoas de cima, como se liderança política decorresse do ângulo de visão. Seus braços ficavam um pouco distanciados do corpo, o que lhe dava um ar de caubói prestes a disparar sua arma - o mesmo ar que assumiu durante os momentos mais tensos da disputa e que foi satirizado pelo programa humorístico de TV "Saturday Night Live".
Num determinado momento da caminhada, um jornalista norte-americano perguntou a Bush se sua candidatura teria sido um erro, se Jeb Bush, seu irmão, governador da Flórida, não teria sido um nome mais viável devido a sua experiência política. "Alguns pensam de uma forma, outros de outra, mas sei que vou ganhar", respondeu o republicano. O jornalista argentino perguntou, em espanhol, por que seu plano de política externa não havia sido anunciado ainda. "Vamos a gañar", respondeu Bush num espanhol estranho. Perguntei, em inglês, qual seria sua política para a América Latina. "Veja como tratamos os mexicanos durante meu governo no Texas e você terá uma idéia", respondeu ele em inglês, para depois repetir, em espanhol, "Vamos a gañar".
Na segunda vez em que o vi, durante a convenção republicana na Filadélfia, Bush já era um político diferente. Ninguém podia aproximar-se dele e Bush não dizia uma única palavra que não tivesse sido elaborada por seus assessores. A perspectiva de vitória nas eleições fez com que o isolassem, para protegê-lo - muito provavelmente dele mesmo.
Bush assume o cargo no próximo sábado sem que os norte-americanos saibam exatamente quem elegeram para a presidência. Dizem agora que, mesmo se Bush for intelectualmente prejudicado (o eufemismo mais comum para burro), o cargo, com suas responsabilidades e poder, transformará o homem, como fez com o ator Ronald Reagan. Dizem também que, apesar da aparente inépcia, Bush está cercado de bons assessores e teria a humildade necessária para usar suas opiniões. Como a economia norte-americana atravessa fase crítica e poderá, mais uma vez, desencadear uma retração global, não só os norte-americanos, mas o mundo todo, espera que o cargo transforme o homem.
Leia
colunas anteriores
08/01/2001 - Por que o governo brasileiro teme Oscar de Barros
01/01/2001 - Argentinos querem viver
o novo milênio em outro país
25/12/2000
- O peru de Natal de Armínio Fraga
18/12/2000 - Bush,
Letelier e a perspectiva histórica
11/12/2000
- Brasil,
isolado e humilhado
04/12/2000
- Onde
está o dinheiro das dot.com?
|