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Filha de Fernanda Young, Cecilia Madonna escreve sobre depressão e anorexia

'Eu acho que falar sobre isso é melhor que não falar', diz autora de 'Tudo que Posso te Contar' em entrevista ao Folhateen

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São Paulo

Atenção: este texto trata de temas que podem causar gatilho em pessoas sensíveis.

Cecilia Madonna não é Fernanda Young, e Fernanda Young não é Cecilia Madonna. Isso está bem claro na cabeça da filha de uma das escritoras e roteiristas mais importantes dos anos 1990 e 2000, mas nas redes sociais, diz Cecilia, parece que tem gente que ainda não entendeu.

Cecilia Madonna Young, filha de Fernanda Young e Alexandre Machado - Zanone Fraissat/Folhapress

"Eu odeio, odeio, odeio como alguns fãs da minha mãe me tratam, como se eu fosse ela. Eu não sou minha mãe. Eles me tratam de uma maneira meio nojenta, meio abusiva. Quando ela morreu, mandavam mensagens muito pesadas, falando que estavam tristes e iam se matar. E era como se eu pudesse salvar as pessoas dessa tristeza. Uma outra falou que eu não entendia uma coisa porque sou muito nova, só que eu entendo, sabe? Eu odeio quando as pessoas acham que me conhecem. Mas, não, elas não me conhecem", desabafa.

Cecilia, 23 anos, deu entrevista ao Folhateen em seu quarto, no apartamento em que mora com o pai e os irmãos. Sentada na cama, acompanhada de uma amiga que estava hospedada lá naquela semana, Cecilia gesticula muito e pensa tão rápido que muitas vezes nem termina uma frase e outra já sai atropelando o raciocínio.

Ela acaba de publicar seu primeiro livro, "Tudo que Posso te Contar" (editora Record, R$ 99,90, 368 páginas), e espera que com ele as pessoas possam, finalmente, conhecê-la além do que pensam que já fazem. Parece um bom plano, mas Cecilia diz que, mesmo com tudo assim organizado na cabeça, se lançar publicamente causa um pouco de receio.

"Dá medo de espelharem minha mãe em mim, de se decepcionarem comigo. Porque as pessoas esperam algo da filha da Fernanda Young, sabe? Algo que eu não sou. Mas, eu tenho que me lembrar que minha mãe acreditava em mim, então, não tenho que me importar tanto com isso."

A mãe de Cecilia começou na literatura em 1996 com "Vergonha dos Pés". Escreveu muitos outros livros, teve programas na TV e foi roteirista de programas famosos antes de morrer em 25 de agosto de 2019, aos 49 anos. Não estava doente nem sofreu um acidente, mas passou mal por causa da asma na casa de campo da família. A morte prematura e inesperada foi um choque difícil de lidar.

O luto é um dos temas mais presentes no livro de Cecilia, que em uma passagem escreve "O trauma é importante para a arte. Viver a pior dor de todas antes dos 20 anos tem que ter valido alguma coisa".

"Falar que valeu parece que tipo saiu uma coisa boa da morte da minha mãe, olha que sorte. Mas óbvio que não é isso", afirma. "Minha mãe escrevia sobre os traumas dela. Eu sei que pra ela foi importante. Meu pai sempre falou que ela utilizou da dor dela pra escrever. Então, pensei que posso utilizar da minha dor pra escrever também."

Tudo começou com diários que Cecilia escreveu ao longo dos anos, e que viraram uma espécie de investigação de si mesma quando ela usou os registros para seu TCC da faculdade de jornalismo. Com o projeto pronto, bateu à porta da editora e perguntou se havia interesse em transformá-lo em livro.

No Twitter, o arroba de Cecilia é "bebenepotismo". Ela diz que sabe dos privilégios de ser filha de alguém famoso.

"Eu falo muito abertamente que sou um 'nepotism baby' [termo para filhos de celebridades com carreiras semelhantes às dos pais']. Os atores americanos negam dizendo 'Ah, não, não foi meu pai, ganhador do Oscar, que me colocou aqui', mas é óbvio que foi. Vão dizer que consegui lançar esse livro porque minha mãe é conhecida, e eu concordo, talvez seja isso mesmo."

Além do luto, "Tudo que Posso te Contar" fala de outros temas difíceis. Há até um aviso de gatilho na ficha técnica do livro —bem pequeno, quase imperceptível a quem vai direto para a folha de rosto. Bullying e suicídio aparecem, assim como o distúrbio alimentar que a autora enfrenta desde a adolescência.

As referências pop, diz Cecilia, serviram para lidar com o problema. "Comecei a ouvir a banda Carpenters na pandemia, e comecei a pesquisar sobre Karen Carpenter [baterista e cantora que fazia dupla com o irmão]. Descobri que ela morreu de anorexia e fazia as mesmas coisas que eu, tipo tomar laxante, ficar se exercitando loucamente. Se tivessem escondido por que ela morreu, aquilo não teria me ajudado", diz.

"Eu acho que falar sobre isso é melhor que não falar."

"São conversas importantes para minha geração inteira. Acho que a gente tem que falar o máximo possível. Pra gente saber que não está sozinha, que não é normal se sentir assim, que a gente precisa de ajuda. Eu sabia que a minha mãe tinha depressão, sabe? E eu me lembro a primeira vez que pensei sobre suicídio, e eu falei pra ela. Ela me levou a um psiquiatra, comecei a tomar remédio. Minha mãe me ajudou."

Cecilia hoje se cuida de várias maneiras, com a ajuda dos três irmãos e do pai, o roteirista Alexandre Machado. Ela tenta, por exemplo, usar pouco as redes sociais. Só segue perfis de "coisas idiotas" e desvia feito um boxeador do algoritmo que tenta empurrar postagens como jejum intermitente e contas de modelos magérrimas.

Depois de trabalhar como jornalista em algumas revistas, está animada com a carreira no mercado editorial e alguns projetos de tradução. Diz que pode até escrever outros livros, mas agora "só de ficção".

"Não quero mais falar de mim mesma", afirma. "Eu acho que eu sinto muito qualquer sentimento, sinto demais, sinto muito fortemente. Não tenho problema nenhum em falar quando estou mal, acho que falo até demais, sou honesta demais, queria ser menos. Um tempo atrás, uma pessoa do meu grupo de amizades falou que todo mundo ali mentia. E eu respondi que o problema é que eu não minto. Eu queria mentir, mas eu não consigo."

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