Descrição de chapéu Artes Cênicas

Para contornar falta de diálogo, teatro buscou conversar com o público

Nos palcos, 2018 foi marcado por metáforas, discursos políticos e resposta à onda de fake news

Colagem de Alex Kidd para a retrospectiva de artes plásticas da Ilustrada

Colagem de Alex Kidd

Maria Luísa Barsanelli
São Paulo

Foi uma grande tentativa de escuta o caminho do teatro nacional neste último ano. Envoltos pelo tenso clima político e social que marcou esta eleição presidencial, artistas buscaram compreender as mudanças no nosso cotidiano confuso e sem diálogo, em que muitos só ouvem mesmo o que querem escutar.

 

De início, muitas peças recorriam a fábulas e metáforas para espelhar o caos contemporâneo. Uma forma de escape para representar uma realidade um tanto espantosa —algo similar ao que o chamado teatro do absurdo, de autores como Samuel Beckett e Eugène Ionesco, fez nos anos de desesperança do pós-Guerra.

“Insetos”, segundo trabalho do dramaturgo Jô Bilac com a Cia. dos Atores, foi um dos que trilharam o caminho da alegoria, fazendo do mundo dos bichinhos uma metáfora do caos da sociedade, com suas guerras e desigualdades. 

 

“Refúgio”, de Alexandre Dal Farra, trazia um ambiente confuso, no qual as pessoas desapareciam misteriosamente, aludindo à nossa falta de compreensão do mundo. Tentar entender nossa sociedade também era a premissa de “PI - Panorâmica Insana”, dirigido por Bia Lessa.

Com a proximidade do pleito e o acirramento do debate político, muitas produções se voltaram a uma releitura mais direta da realidade. Em tom de farsa, a Companhia Teatro do Perverto imaginava, em seu “Roda Morta”, que a ditadura nunca tivesse acabado por completo, rondando até hoje como um fantasma. 

Já Bruce Gomlevsky reconstruía as torturas do regime militar em “Memórias do Esquecimento”, baseado na história de Flavio Tavares, enquanto o Grupo Galpão refletia a falta de diálogo em “Outros”.

 

O ano finda com outro resgate, a remontagem do clássico “Roda Viva” pelo Teatro Oficina, 50 anos depois de sua estreia. A homenagem ao musical de Chico Buarque acabou ganhando contornos contemporâneos: a trama, história da construção de um ídolo, reflete o clima de hoje, o das narrativas fantasiosas mascaradas de realidade.

 

 

Principais embates

Artistas X Fake news
Se o ano passado foi marcado por fake news e ataques às artes, 2018 viu artistas replicarem as represálias, com produções como ‘Domínio Público’, elegante resposta às agressões virulentas

Secretaria X Cooperativa
A Secretaria Municipal de Cultura modificou uma interpretação da Lei de Fomento ao Teatro, o que foi duramente criticado por artistas, em especial os representados pela Cooperativa Paulista de Teatro, segundo quem a alteração descaracterizou o edital. O caso só aumentou as tensões entre artistas e o secretário André Sturm

Protesto em frente ao Teatro Municipal de São Paulo
Protesto em frente ao Teatro Municipal de São Paulo contra mudanças na Lei de Fomento - Movimento de Teatro de Grupo de São Paulo/Divulgação

Ativismo X Mercado
A representatividade de minorias vem ganhando força —como a inclusão de uma atris trans em ‘Luis Antonio - Gabriela’. Mas também houve polêmicas, como as críticas de que Fabiana Cozza seria ‘branca demais’ para o papel de Dona Ivone Lara em musical

A cantora Fabiana Cozza durante na abertura da "Ocupação Dona Ivone Lara", no Itaú Cultural - Greg Salibian/Folhapress

Zé Celso X Silvio Santos
O imbróglio já dura quase quatro décadas, mas o embate pelo terreno ao lado do Teatro Oficina, onde o Grupo Silvio Santos, dono do lote, quer construir torres, vem se acirrando desde o ano passado. Recentemente, o Conpresp deu aval à edificação

Originais X Franquias
Enquanto discute-se a criação de musicais originais e a busca por uma linguagem brasileira —com exemplos bem-sucedidos, como Elza’—, o mercado de franquias parece se repetir, com remontagens de ‘Les Misérables’ e ‘O Fantasma Ópera’

 

Melhores do ano

887
O canadense Robert Lepage cria uma poética costura entre suas lembranças de infância e a memória coletiva

Agosto
Encenação de André Paes Leme dá força e humor ao drama do americano Tracy Letts, apoiado pelas ótimas atuações

Árvores Abatidas
Belo casamento da grandiosa encenação do polonês Krystian Lupa e do sarcasmo do escritor Thomas Bernhard

CérebroCoração
Em peça-palestra sensível e envolvente, a atriz Mariana Lima explora as fronteiras entre a razão e a emoção

Elza
De encenação simples, mas extremamente potente, musical mostra que há força nas nossas criações originais

Estado de Sítio
O diretor Gabriel Villela foge do costumeiro colorido, mas encontra, no tom soturno, uma de suas criações mais belas

Ítaca - A Nossa Odisseia
Sempre atenta à realidade, Christiane Jatahy embebeu sua ‘Odisseia’ da política brasileira e da crise de imigrantes

Odisseia
Cia Hiato faz inventiva e imersiva releitura da ‘Odisseia’ de Homero, mesclando o épico a suas histórias particulares

Um Panorama Visto da Ponte
O clássico de Arthur Miller reverbera questões atuais em montagem com boas atuações e direção precisa

Peça para Adultos Feita por Crianças
A diretora Elisa Ohtake ousa numa anárquica interpretação de crianças para ‘Hamlet’

Elenco de "Peça para Adultos Feita por Crianças", versão de "Hamlet" dirigida por Elisa Ohtake
Elenco de "Peça para Adultos Feita por Crianças", versão de "Hamlet" dirigida por Elisa Ohtake - João Caldas/Divulgação
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