Descrição de chapéu
Filmes

'Vortex', de Gaspar Noé, é um retrato dispensável do final de uma vida

Filme disponível na Mubi é implacável e faz escolhas diferentes para acompanhar casal de idosos muito próximos da morte

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Vortex

  • Onde Disponível na Mubi
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Dario Argento, Françoisa Lebrun, Alex Lutz
  • Produção França, Bélgica, 2021
  • Direção Gaspar Noé

Se ao abordar os seres no auge de sua juventude e força, em "Clímax", Gaspar Noé não era o que se pode chamar de otimista, podemos imaginar como ele representa a decadência da existência. É o que faz em "Vortex".

Eis o que nos espera. Um velho casal. Ele, escritor de livros sobre cinema —papel de Dario Argento—, ela, uma psiquiatra —Françoise Lebrun. O começo é primaveril. Ele a chama para uma refeição no jardim de seu apartamento parisiense. É tudo que veremos sobre a felicidade conjugal. Em seguida, vemos os dois em seu leito. Ele dorme. Ela se agita. Gaspar Noé introduz então o que será o dispositivo essencial de seu filme —um grosso fio que separa o homem da mulher.

Dario Argento e Fraçoise Lebrun abraçados em cena de "Vortex".
Dario Argento e Fraçoise Lebrun em 'Vortex' - Divulgação

Desde então veremos duas imagens separadas por esse fio. Pode ser a mulher caminhando por Paris um tanto a esmo, entrando e percorrendo as estantes de uma farmácia, no lado esquerdo do quadro, enquanto à direita o marido se levanta aturdido com a ausência da mulher e sai ao seu encalço. Logo saberemos que ela está mal. Sofre de uma doença neurológica degenerativa. Um mal sem cura.

Talvez para se esquivar a essa realidade, o homem insiste em tomar notas, com caneta ou máquina de escrever, para seu próximo livro sobre cinema. Entrementes, visiona filmes. O que vemos é, sintomaticamente, o "Vampiro", de Dreyer. O homem demonstra apenas paciência quanto à situação desesperante da mulher. Sim, uma antiga psiquiatra, mal podemos crer, agora é uma espécie de fantasma que vaga pela casa.

Há algum tempo, Michael Haneke, cineasta alemão um tanto brutal, representou o final de vida de um casal de maneira infinitamente mais terna, em "Amor". O fim da vida, na velhice, nunca é exatamente alegre, mas ali ainda era possível vislumbrar alguma beleza. Nada disso em "Vortex". A horas tantas, o homem abraça sua amante de muitos anos —é tudo. Sempre com duas imagens, acompanharemos a dolorosa, implacável progressão da doença.

Digamos em defesa de Gaspar Noé que sua ideia de trabalhar com dois pontos de vista —por vezes na mesma cena— sincrônicos funciona bem e termina por criar uma imagem neutra das vidas que chegam ao final.

Ao mesmo tempo, é impossível não notar a infelicidade da escolha temática. Se quer criar uma visão sinistra da existência humana, o cineasta pode se fixar com algum conforto e pertinência na juventude ou mesmo na maturidade de alguém ou de um grupo.

A velhice dispensa tais cerimônias —o fim é triste e solitário. Serve talvez para mostrar, e talvez seja o que Noé pretende, o supérfluo de nossa passagem pela vida, por mais brilhante que seja. Não há muito o que pensar a respeito. Somos assim, essa é nossa natureza, e esse, nosso destino. É justamente isso o que faz de "Vortex" um filme, afinal, dispensável, ainda que seja impossível negar o talento ali envolvido.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.