Descrição de chapéu
Televisão

'A Queda da Casa de Usher' consagra Mike Flanagan como nova voz da TV

Cineasta, que vai trocar a Netflix pela Amazon, adapta obras de Edgar Allan Poe em trama brutal sobre ruína de uma família

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A Queda da Casa de Usher

Arte de divulgação da minissérie 'A Queda da Casa de Usher', da Netflix Divulgação

São Paulo

Ruínas familiares já são parte da rotina na carreira de Mike Flanagan. O diretor estourou na Netflix em 2018, quando lançou no serviço a minissérie "A Maldição da Residência Hill". O programa, adaptado do livro de Shirley Jackson, ganhou o público na mistura habilidosa de horror e drama que cercava a misteriosa tragédia envolvendo a mansão do título.

Cinco anos depois, Flanagan estreia no serviço "A Queda da Casa de Usher", minissérie criada e dirigida por ele. A inspiração da vez é Edgar Allan Poe, cujos trabalhos são costurados numa trama sobre a implosão de uma poderosa família da indústria farmacêutica.

A produção é bem mais ambiciosa que "Residência Hill", e só ganha em grandiosidade pelas circunstâncias. "Casa Usher", por enquanto, marca a colaboração final do cineasta com a plataforma.

A Queda da Casa de Usher
Carl Lumbly e Bruce Greenwood em cena da minissérie 'A Queda da Casa de Usher', da Netflix - Eike Schroter/Divulgação

O diretor está de mudança. A Intrepid Pictures, produtora hoje comandada por ele, assinou um acordo de exclusividade com o Amazon Prime Video no fim do ano passado. O negócio é o mesmo que a empresa firmou com a Netflix pouco depois do lançamento de "Residência Hill", em um contrato que termina agora com "Casa Usher".

Mas a minissérie passa longe de refletir esse momento de transição dos bastidores. Os oito episódios do programa são o melhor trabalho de sua carreira, em um esforço que sintetiza as habilidades acumuladas por ele ao longo de sua passagem pelo serviço.

A minissérie parte do longo relato do bilionário Roderick Usher, papel de Bruce Greenwood, ao detetive Dupin, vivido por Carl Lumbly, na esteira da morte de todos os seus seis filhos. No antigo lar de sua mãe, Usher promete ao policial os segredos de sua ascensão na farmacêutica Fortunato, bem como as circunstâncias conectadas por trás da perda súbita da prole em apenas duas semanas.

Além dos personagens, a trama é completamente diferente da escrita por Poe, embora partes sejam usadas ao longo dos episódios. Essa abordagem se repete: entre o piloto e o final, cada capítulo mostra a morte de um filho a partir de um conto do escritor. Clássicos como "O Gato Preto" e "O Poço e o Pêndulo" ganham nova roupagem, enquanto poemas do porte de "O Corvo" e "Annabel Lee" colorem a extensa galeria de personagens.

Nesse sentido, "Casa Usher" se revela uma adaptação encorpada, mesmo passando longe da fidelidade. O registro das elites decadentes de Poe está ali, traduzido para uma atualidade que critica os mais ricos pelas vias da sátira —é um molde parecido com o de "Succession", da HBO.

O equilíbrio entre o melodrama e o horror também aparece, embora Flanagan e o codiretor Michael Fimognari prefiram aqui o último. As mortes que coroam o fim dos episódios são criativas e brutais, pontuando a corrosão da família do título.

Todo esse balanço delicado reflete a trajetória única de Flanagan na televisão. O diretor alcançou o status cada vez mais raro de autor dentro do modelo atual do streaming, achando a sua voz em um período de tantas mudanças na indústria.

Na Netflix, o diretor produziu quatro minisséries, além de um filme e uma série. Com exceção da última, cancelada depois da primeira temporada, quase todas elas tiveram bom público na estreia. Até mesmo "Missa da Meia-Noite", que estreou no mesmo dia do fenômeno sul-coreano "Round 6", se destacou nos rankings da plataforma.

O mais interessante é que Flanagan evoluiu a cada novo projeto, sobretudo através do formato da minissérie. Esse salto é notável entre "A Maldição da Mansão Bly", de 2020, e "Missa da Meia-Noite", produzidas no período entre "Residência Hill" e "Casa Usher".

Na primeira, uma adaptação do livro "A Outra Volta do Parafuso", o diretor tentava repetir a lógica de "Residência Hill" por uma lógica de franquia, com resultados desinteressantes. Já na segunda, uma história de horror com ares de Stephen King, esse nó de repetição era desfeito em prol de temas mais difíceis, como o da fé, e formavam uma mistura instigante.

Flanagan também soube crescer em meio às circunstâncias, o que pode ser o maior mérito de sua trajetória. No cinema, seu primeiro longa, "Absentia", chegou aos festivais em 2011 após ser viabilizado em uma plataforma de financiamento coletivo.

O cineasta ainda cairia na graça dos estúdios com filmes como "Ouija: Origem do Mal" e "Hush", ambos de 2016, e "Jogo Perigoso", de 2017 e sua primeira colaboração com a Netflix. Mas só com a explosão de popularidade de "Residência Hill" e pelo acordo com a plataforma que ele encontrou um espaço criativo. Em especial depois do fracasso de bilheteria de "Doutor Sono", continuação de "O Iluminado" de 2019 que foi seu grande teste nos blockbusters.

A Queda da Casa de Usher
Samantha Sloyan em cena da minissérie 'A Queda da Casa de Usher', da Netflix - Eike Schroter/Divulgação

Com tantos hits de público e crítica consecutivos, bem como um estilo próprio, Mike Flanagan é um caso único no streaming. Não existe outro autor que tenha feito o mesmo na última década sem ser um veterano, como aconteceu com Shonda Rhimes e Ryan Murphy.

O cineasta hoje se mostra mais próximo da abordagem desses dois produtores, sobretudo pela frequência de trabalho e de elencos repetidos. Carla Gugino e Henry Thomas, por exemplo, se tornaram atores-fetiche de suas séries.

A ascensão de Flanagan também deve continuar um fenômeno isolado. Empresas como a Netflix e a Amazon interromperam acordos gerais durante a greve dos roteiristas e, com o contrato recém-firmado com o sindicato, já se espera uma diminuição desses negócios por algum tempo.

Sem um espaço propício, será difícil para uma nova voz se estabelecer da mesma forma no efervescente mercado do streaming.

A Queda da Casa de Usher

  • Onde Disponível na Netflix
  • Classificação 18 anos
  • Elenco Bruce Greenwood, Carla Gugino e Mark Hamill
  • Produção Estados Unidos, 2023
  • Criação Mike Flanagan
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.