Eu coloco o João Pimenta onde antes eu teria colocado alguém do porte de Pablo Picasso, ou seja, num pedestal inalcançável. Não, não estou brincando. Quando se começa a apreciar uma fase dele e compreender os inúmeros significados que essa fase contém, ele já está em outra. Aí começa tudo de novo.
Eu fiz um pequeno texto para o desfile do São Paulo Fashion Week em maio do ano passado no Theatro Municipal, que Vera Holtz gravou e Paulo Borges dirigiu. Ensaiei com a Vera pelo Zoom. Acompanhei a gravação. Mas quando eu recebi o vídeo do desfile aqui em Nova York, tive a impressão que o espirito de Hieronymus Bosch havia tomado conta desse estilista genial endiabrado. E isso é genial
Sim, porque o trabalho dele no meu espetáculo "F.E.T.O.", de 2022, teve o mesmo efeito nas pessoas. Metade do choro ou das convulsões na plateia não eram da cena em si, mas da cena somada aos extraordinários figurinos que Pimenta criou.
Por que "antropomoda"? Olhe bem para as coleções e no que estão enraizadas. Se pegarmos a "Guernica" de Picasso e analisarmos no que essa obra está enraizada versus o universo versátil de quem a pintou, ou um "Parangolé" de Hélio Oiticica e olharmos bem o porquê ele criou aquele "vestível-usável", entenderemos a obra de Pimenta como uma obra de arte e não somente como fashion. Sim, algo que deveria ser exposto nos andares dois, três e quatro do MoMA em Nova York.
Resta a pergunta: como é isso? O que é um figurino que fala e emociona? Tudo bem, gente sabe o que é bonito. Sabemos até o que é genial. Reconhecemos os grandes. Mas o mundo das comparações e das medidas é perigoso.
Posso citar nomes aqui como Givenchy, Coco Chanel ou Issey Miyake. Minha mente e tela de computador poderiam compará-lo, ou subtrai-lo de Jean-Paul Gaultier, ou de John Galeano, mas para que?
Para que, se, na verdade, João Pimenta se prova cada dia mais um antropólogo, alguém em uma busca deseperada de uma identidade, uma verdade antropológica que justifique, ou pelo menos explique, esse caráter maldito e belo, esparso como caramelo e ardente como um tapa de chinelo vindo das profundezas das questões brasileiras únicas e peculiares ao Brasil? Sem os balangandãs. Sem muito folclore. Aí é que está, entendem?
João Pimenta embeleza, mas não nos ornamenta. Ele embeleza, às vezes, com os defeitos e desformes da civilização que o criou. Sim, com todas as anomalias, todas as atonalidades e injustiças e todas as desigualdades e abusos.
A arte de João Pimenta é uma grande arte, pois é também um manifesto e uma manifestação honesta e pertinente desse ser que vive, absorve e consegue como ninguém contar os segredos, as parábolas e as metáforas do nosso tempo em nossos próprios corpos!
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