Descrição de chapéu Independência, 200

Conheça Labatut, mercenário francês que liderou tropas da Independência na Bahia

Militar se uniu aos baianos em outubro de 1822, ajudou a organizar tropas e ganhou fama de rígido e violento

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Salvador

Quatro colunas em estilo neoclássico formam a fachada do Panteão de Labatut, monumento erguido em 1914 no bairro de Pirajá, periferia de Salvador. Ali, todos os anos no dia 1º de julho, flores são depositadas em homenagem a um dos personagens mais controversos das guerras pela Independência no Brasil.

No monumento, estão os restos mortais de Pierre Labatut, mercenário francês que desembarcou na Bahia em outubro de 1822 para liderar as tropas de brasileiros que se organizavam para tomar uma Salvador dominada pelos portugueses.

centralizado dentro de uma moldura oval, está um retrato de pierre labatut. ele é um homem branco de cabelos curtos, entre o preto e o grisalho, e usa uma condecorada farda militar
Pierre Labatut, em retrato feito por Oscar Pereira da Silva em 1925 - Acervo do Museu do Ipiranga

Ele organizou batalhões do Exército Libertador, mandou matar escravizados que se uniram aos portugueses, foi preso após sublevação de oficiais brasileiros, voltou à capital baiana já com idade avançada e morreu em 1849 cercado por uma aura de herói da Independência.

Nascido em 1776 em Cannes, cidade do sul da França às margens do Mediterrâneo, Labatut teve trajetória no meio militar e participou das Guerras Napoleônicas na Península Ibérica. Anos depois, foi para a Colômbia, onde lutou ao lado de Simon Bolívar pela Independência da América espanhola.

Veio para o Brasil em 1819 e, três anos depois, foi contratado pelo príncipe regente Dom Pedro de Alcântara para reforçar as tropas que lutavam pela Independência do Brasil na Bahia.

Depois de conflitos entre portugueses e nascidos no Brasil em Salvador, em fevereiro de 1822, e em Cachoeira, em junho do mesmo ano, os baianos organizavam uma contraofensiva a partir da região do Recôncavo para tomar a capital baiana, que ainda vivia sob jugo português.

Comandadas pelo coronel Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque de Ávila e Pereira, que depois ganharia o título de Visconde de Pirajá, as forças milicianas e de voluntários organizaram um cinturão de defesa, fincando bases em áreas como a Ilha de Itaparica, São Roque, Saubara e Ponta de Nossa Senhora.

Entre junho e outubro, foram formados diversos diversos batalhões. Mas dom Pedro decidiu mandar reforços: navios que partiram do Rio de Janeiro em 14 de julho trouxeram seis canhões, 5.000 espingardas, 2.000 lanças, 500 pistolas, 500 sabres, 260 soldados e 38 oficiais, dentre eles, o general Pierre Labatut.

Desembarcaram na Bahia em 28 de outubro, após incorporar à tropa 250 homens vindos de Pernambuco que formariam o Exército Pacificador.

O mercenário assumiu o comando das tropas e passou a se dedicar à organização dos batalhões improvisados formados por brancos pobres, negros libertos e escravizados enviados por seus senhores. Nenhum filho de proprietário de terras se apresentou como voluntário.

"Labatut foi uma figura muito importante porque ajudou a organizar as tropas, fez os regimentos e definiu as estratégias e táticas para a luta", afirma a historiadora Antonietta D'Aguiar Nunes, associada do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.

Como aponta o historiador Luís Henrique Dias Tavares (1926-2020) no livro "História da Bahia", uma das primeiras medidas de Labatut foi enviar uma carta brigadeiro português Inácio Luís Madeira de Melo, que comandava a resistência portuguesa na capital baiana, a deixar Salvador.

"Temos plenos poderes para tratar convosco acerca de vossa retirada e da tropa com permissão de prestar-vos todo o necessário para a boa comodidade do transporte", disse Labatut na carta.

A proposta não foi aceita por Madeira de Melo, que dobrou a aposta e reforçou as suas tropas para lutar contra os baianos. Labatut respondeu organizando três brigadas para tomar Salvador: uma na região de Pirajá, uma no centro e outra mais ao norte, nas proximidades de Itapuã.

O acirramento das tensões desencadeou na primeira grande batalha campal da guerra pela independência na Bahia: a Batalha de Pirajá, que se desenrolou em 8 de novembro na região onde hoje é o Subúrbio Ferroviário de Salvador.

Labatut não participou da batalha, mas elogiou os soldados baianos em carta, chamando os portugueses de "fracos e indignos de temor".

tela abstrata mostra uma batalha, onde se emaranham homens e cavalos com lanças e outras armas. ao fundo, está o mar e alguns navios
A Batalha de Pirajá" (1978), mural de Carybé - Reprodução/"O Sequestro da Independência" (Companhia das Letras)

Onze dias depois da batalha, cerca de 200 escravizados armados dos engenhos da Mata Escura e Saboeiro atacaram Pirajá. Segundo Luís Henrique Dias Tavares, foram enganados pela suposta promessa de Madeira de Melo de libertá-los da escravidão caso aderissem aos portugueses.

Os brasileiros prevaleceram no ataque, que resultou na prisão de escravizados. Labatut mostrou sua face mais cruel e mandou fuzilar os 50 homens e chicotear as 20 mulheres que haviam sido presas.

Em escritos na revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia em 1913, o jornalista e abolicionista negro Manoel Querino definiu Labatut como um militar que abusou do seu poder, tinha "um rigor que tocava à desumanidade" e "mandava fuzilar sob qualquer pretexto".

A rigidez nos métodos, a fama de violento e o fato de o general não se reportar ao governo provisório da "Bahia brasileira", em Cachoeira, criaram indisposição com oficiais brasileiros. Também houve críticas dos proprietários de terras quanto ao uso de escravizados como soldados.

"A libertação de escravos para a sua incorporação às fileiras do Exército aparecia para os grandes proprietários baianos como uma ameaça não só de desorganização produtiva, mas, principalmente, de desarrumação da ordem social clientelistas", aponta em sua tese de doutorado o historiador Sérgio Guerra Filho, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Em maio de 1823, ao ser informado sobre uma suposta conspiração, Labatut mandou prender o coronel Felisberto Gomes Caldeira, comandante de uma das brigadas, que foi enviado para uma fortaleza na Ilha de Itaparica.

A prisão resultou em uma sublevação dos oficiais brasileiros, que passaram a não mais cumprir as ordens do mercenário francês e decidiram depô-lo. Labatut foi preso em 20 de maio e em setembro foi mandado para o Rio de Janeiro, onde acabou sendo absolvido.

As tropas passaram a ser lideradas pelo coronel brasileiro José Joaquim de Lima e Silva. Labatut não participou da batalha final contra os portugueses e viu da prisão a vitória após a tomada de Salvador em 2 de julho de 1823.

Depois de deixar a prisão, o mercenário permaneceu no Brasil e ainda atuou no combate a revoltas na época da Regência, período entre a renúncia de dom Pedro 1º e a ascensão de dom Pedro 2º.

Em 1832, chefiou uma expedição ao Ceará com 200 homens para enfrentar o proprietário de terras Joaquim Pinto Madeira, que comandou uma rebelião no Crato após a abdicação de Dom Pedro.

A violência na empreitada fez com que ele se tornasse figura mítica do folclore local, uma espécie de bicho-papão: o monstro Labatut.

Seis anos depois, o mercenário francês ainda foi designado para combater na Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul, onde sofreu uma derrota.

Depois de deixar o serviço militar, trocou o Rio de Janeiro por Salvador, onde morreu em 1849. A rua que abrigava sua casa, no bairro do Barris, foi batizada com seu nome. Além do Panteão em Pirajá, Labatut também foi homenageado com um busto no Largo da Lapinha, de onde todos os anos sai o cortejo comemorativo do Dois de Julho.

Este texto integra a série Perfis da Independência, que destaca nomes relevantes —muito conhecidos ou não— do período da emancipação do Brasil em relação a Portugal.

O texto sobre a imperatriz Leopoldina deu início à série em fevereiro de 2022, seguido dos artigos sobre o jornalista Hipólito da Costa, o navegador escocês Thomas Cochrane, Bárbara Pereira de Alencar, revolucionária e primeira presa política do Brasil, José Bonifácio, patriarca da Independência, e Urânia Vanério, autora de panfleto pró-Independência aos 10 anos, entre outros nomes.

Erramos: o texto foi alterado

A expedição chefiada por Pierre Labatut na província do Ceará ocorreu em 1832, não em 1932. O general faleceu em 1849, e não em 1949. O coronel Felisberto Gomes Caldeira foi preso em 1823 e não 1822. O texto foi corrigido.

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