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Justiça do Trabalho tem dívida de R$ 1 bilhão com servidores e juízes

Justiça Federal e Ministério Público da União não informam dados

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Brasília

A Justiça do Trabalho acumula passivo administrativo de anos anteriores com servidores e magistrados de mais de R$ 1 bilhão. O CJF (Conselho da Justiça Federal) e o MPU (Ministério Público da União) não forneceram dados.

A assessoria de imprensa do CJF foi procurada na terça-feira (26). Foram solicitados dados sobre Orçamento, efeito da pandemia nos gastos da Justiça Federal, o total de passivos do órgão, se valores foram pagos e quantos servidores e magistrados foram beneficiados.

A reportagem perguntou ainda se o conselho havia recebido pedido de entidades e sindicatos para o uso de economias feitas na pandemia para pagamento de dívidas com servidores e magistrados e qual seria o impacto financeiro de uma eventual troca da TRD (Taxa Referencial Diária) pelo IPCA-E (Índice Nacional de Preços Amplo ao Consumidor-Especial) na correção das chamadas PAEs (parcelas autônomas de equivalência), um resquício dos anos 1990.

Estátua da Justiça (1961), obra de Alfredo Ceschiatti, na Praça dos Três Poderes, em Brasília
Estátua da Justiça (1961), obra de Alfredo Ceschiatti, na Praça dos Três Poderes, em Brasília; a Justiça do Trabalho acumula passivo de mais de R$ 1 bilhão - Yuugi Makiuchi/Folhapress

Na quarta-feira (27), a assessoria de imprensa informou que a demanda estava sob análise, mas seria necessário mais prazo, o que foi feito. A respostas eram aguardadas até quinta-feira (28). O órgão foi procurado novamente na sexta-feira (29), e não respondeu até a conclusão deste texto.

As mesmas perguntas e os mesmos procedimentos foram adotados em relação ao MPU.

Procurada na terça, a assessoria de imprensa da PGR (Procuradoria-Geral da República) disse na quarta que não seria possível fornecer as informações solicitadas no prazo mencionado. O órgão orientou a reportagem a consultar dados no Portal da Transparência. Parte das informações foi levantada no site, mas detalhamentos não foram encontrados.

A reportagem questionou ainda quanto tempo mais seria necessário para o envio das informações, mas não obteve resposta.

A Folha encaminhou mais perguntas na quinta. A assessoria disse na sexta que aguardava respostas da área técnica. Até a conclusão deste texto, o órgão não havia respondido.

Em nota, o CSJT (Conselho Superior da Justiça do Trabalho) enviou todas as informações solicitadas. Segundo o órgão, a economia feita durante a pandemia da Covid-19 na Justiça do Trabalho foi de R$ 538,5 milhões.

Ao todo, para magistrados e servidores, foram pagos R$ 110 milhões em passivos. Com o cumprimento de outras despesas, deixaram de ser usados R$ 243,5 milhões.

Em nota, o CSJT disse que os pagamentos foram feitos "com base nos princípios da eficiência, economicidade, moralidade e impessoalidade que devem orientar toda a gestão pública --e não por conta de requerimento formulado por magistrado, servidor ou entidades representativas".

O saldo que ficou com o Tesouro levou a investida das entidades de magistrados no CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Decisão liminar (provisória) do dia 30 de dezembro determinou o bloqueio do dinheiro.

Parecer técnico do órgão do dia 14 de janeiro, porém, explicou ao conselheiro Mário Guerreiro que a medida é inviável. Os gastos deveriam ter sido feitos ainda em 2020. O caso está pendente de uma decisão final.

Em manifestação ao CNJ, no dia 31 de dezembro, a presidente do CSJT, ministra Maria Cristina Peduzzi, informou que foram antecipados em 2020 pagamento da venda de um terço e adiantamento de férias referentes a 2021 (R$ 143 milhões), "de modo a se promover a eficiente otimização de recursos orçamentários".

Ao explicar por que rejeitou o pedido de pagamento, a ministra argumentou haver "responsabilização pessoal" na gestão do orçamento e ainda destacou a crise pela qual o país atravessa na pandemia da Covid-19. "A Justiça do Trabalho e o Poder Judiciário da União não constituem ilhas orçamentárias isoladas do resto do país", escreveu.

Em nota à Folha, o CSJT afirmou ainda que foi priorizado o pagamento de dividas contraídas em 2020 no "esforço para que não fossem inscritos valores em restos a pagar em 2021".

De R$ 1,07 bilhão devidos, R$ 955,24 milhões são a servidores.

Em relação à PAE, há R$ 25,4 milhões em passivos, e o CSJT não aplicou o IPCA-E nem quitou as pendências. "Tais valores não contaram com autorização para pagamento por parte da presidência do CSJT, porque não foram considerados incontroversos", afirmou o conselho.

A PAE foi garantida a magistrados por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) nos anos 1990 a fim de equiparar vencimentos do Poder Judiciário ao do Legislativo.

Agora, por decisão administrativa, se requer a aplicação do IPCA-E em pendências porque o STF decidiu que a TR (Taxa Referencial) é inconstitucional. Em 2019, a corte concluiu julgamento sobre a correção monetária precatórios --dívidas da Fazenda Pública resultantes de decisões judiciais. O índice a ser usado é o IPCA-E.

Administrativamente, o procurador-geral Augusto Aras, conforme decisão obtida pela Folha, autorizou a correção. O CJF não informou se determinou recálculos. A troca do índice ainda está sob análise no CSJT.

Ao negar os pagamentos, em despacho, Peduzzi apontou também o peso da via administrativa na reivindicação de direitos de magistrados e servidores.

"Some-se a tal constatação [6% de juros ao ano, com impacto de R$ 83 milhões por ano] o fato de que a Emenda Constitucional nº 95 impôs rigorosas limitações orçamentárias. Ao mesmo tempo, se tal passivo não fosse estabelecido pela via administrativa e tivesse seguido o caminho da judicialização, não haveria risco de eventualmente comprometer o orçamento anual da Justiça do Trabalho, sujeito ao conhecido teto de gastos", escreveu. O teto de gastos limita o crescimento das despesas públicas.

A Amatra-15 (associação de magistrados de Campinas e interior de São Paulo), que entrou contra a decisão de Peduzzi no CNJ pedindo o bloqueio dos recursos, não quis comentar o processo.

"A Amatra-15, por ora, prefere não se manifestar sobre o procedimento administrativo em referência, que se encontra na fase instrutória e ainda comportará decisão definitiva do Conselho Nacional de Justiça", afirmou, por email, o presidente da entidade, Juiz César Reinaldo Offa Basile.

Procurada, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), que entrou como parte no processo administrativo apresentado pela Amatra, não quis se pronunciar sobre o assunto.

À Folha a presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), Noemia Porto, disse "acreditar e defender que esses atos [gestão e execução orçamentárias] devem ser democratizados, ou seja, não podem estar adstritos apenas à presidência do conselho".

Ela disse que a entidade auxiliou no levantamento de dívidas ainda não quitadas pela União. "A não quitação de débitos apenas onera os cofres públicos em razão da incidência continuada de correção monetária e de juros. Além disso, a expectativa dos credores de recebimento é legítima, na medida em que o fato gerador já ocorreu, qual seja, o serviço prestado em favor da administração pública."

Porto explicou que a Anamatra participou de debates e fez o pedido de reconsideração da decisão de Peduzzi, mas não tem iniciativa administrativa ou judicial —"e não pretende tê-las"— para discutir o não pagamento em 2020.

A ANPR (associação de procuradores) informou que não apresentou, judicial ou administrativamente, qualquer solicitação referente a passivos com base em sobras do Orçamento de 2020.

Quanto ao recálculo da PAE e ao pagamento de valores referentes a ela em dezembro de 2020, a associação afirmou que o pedido é de 2018. "Foi apresentado em agosto de 2018 pelas entidades associativas do MPU, na linha do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal acerca do correto índice de correção monetária a ser utilizado", disse, em nota.

Procurado, o Sindjus-DF (sindicato dos servidores do Judiciário e do MP da União), que enviou ofícios a tribunais e MPU, não respondeu às solicitações enviadas por email.

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