Descrição de chapéu inflação Congresso Nacional

Inflação menor vai obrigar governo a cortar R$ 4 bi do Orçamento de 2024

Valor é problema adicional ao tamanho de eventual contingenciamento no ano que vem

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Brasília

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisará efetuar um corte de ao menos R$ 4 bilhões nas despesas programadas no Orçamento de 2024 por causa da desaceleração da inflação na reta final deste ano.

Embora seja uma notícia positiva para o bolso dos consumidores, a evolução mais lenta do índice de preços resultará na expansão menor no limite de gastos do governo federal em 2024, na comparação com o inicialmente previsto pelo Executivo.

O problema se soma ao impasse em torno do tamanho do eventual contingenciamento de recursos para cumprir a meta fiscal de déficit zero traçada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fala com jornalistas após palestra na sede da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo - Zanone Fraissat - 25.set.23/Folhapress

Diante da expectativa de frustração de receitas, o valor do bloqueio em 2024 pode ser de até R$ 23 bilhões, pelas contas de Haddad, ou de R$ 53 bilhões, nos cálculos do mercado.

A Fazenda tenta emplacar uma interpretação jurídica do novo arcabouço fiscal que assegure o menor valor como trava máxima à execução do Orçamento.

A estratégia foi colocada em marcha por meio de uma emenda à LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024 e foi decisiva para conter pressões por uma mudança na meta de 2024.

A diferença é que um eventual contingenciamento pode ser temporário: o governo consegue revertê-lo, caso consiga receitas extras para bancar as despesas ou altere a meta fiscal. Já o corte em razão da inflação menor será permanente, sem possibilidade de reversão.

O limite de gastos previsto no novo arcabouço fiscal é corrigido pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior, mais um ganho real vinculado à alta da arrecadação. Mas a lei complementar autoriza o governo a abrir um crédito suplementar no início do exercício, caso a inflação acumulada até dezembro fique maior do que a observada na metade do ano.

A equipe econômica antecipou em parte os ganhos desse crédito ao decidir já incluir na proposta de Orçamento de 2024 as despesas extras de forma condicionada —isto é, os recursos só seriam liberados mediante a verificação da correção maior.

Foi uma forma de evitar o desgaste político de enviar uma peça crivada de cortes em áreas centrais para Lula, como os investimentos.

Em 31 de agosto, o PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) foi enviado com R$ 32,4 bilhões em despesas condicionadas. O valor é resultado da diferença entre a inflação de 3,16% acumulada até junho e a variação de 4,85% esperada até dezembro deste ano.

O problema atual é que o governo revisou nos últimos dias sua projeção de IPCA em 2023 para 4,66%, menor do que a expectativa anterior.

"Em relação ao volume de despesas condicionadas, [...] quando elaboramos o PLOA, o número era de R$ 32 bilhões. Agora, deve ser algo próximo de R$ 28 bilhões, nos nossos últimos cálculos", disse o secretário de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Paulo Bijos, em entrevista coletiva na quarta-feira (22).

Questionado se a diferença exigiria um corte de verbas, ele confirmou essa necessidade.

"Em vez de ser aberto um crédito de R$ 32 bilhões, seria aberto um crédito de valor inferior, atualmente próximo a R$ 28 bilhões", disse.

Técnicos do Congresso fazem alerta de que o tamanho da tesourada pode ser ainda maior. A estimativa dos economistas de mercado, segundo o Boletim Focus, indica um IPCA de 4,55% neste ano —ainda menor do que a variação esperada pelo governo.

O consultor-geral da Câmara dos Deputados, Wagner Primo Júnior, calcula que a diferença entre o valor previsto no Orçamento e as projeções do Focus demandaria um corte de R$ 5,6 bilhões.

A diferença impõe uma restrição adicional aos planos do governo, que começou o ano projetando uma inflação acima de 5,5% e, com isso, esperava um espaço extra de até R$ 40 bilhões —o que já havia sido frustrado antes mesmo do envio do Orçamento.

Nos bastidores, técnicos avaliam que o ideal seria o governo indicar, já na votação da proposta, quais despesas condicionadas seriam excluídas ou reduzidas na programação para 2024.

Assim, a peça já seria aprovada com os devidos ajustes. No entanto, dados os entraves políticos e a própria incerteza sobre o IPCA fechado do ano (que será divulgado apenas no início de janeiro de 2024), é pouco provável que isso aconteça.

A redução seria sacramentada apenas no ano que vem, com a abertura do crédito em valor menor do que os R$ 32 bilhões.

A Folha tentou contato por telefone e mensagem com o relator-geral do Orçamento de 2024, deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Na entrevista coletiva, Bijos disse ainda que parte do espaço perdido com a correção menor do limite de gastos pela inflação seria recuperada a partir do alívio em outro índice de preços, o INPC, que mede o efeito da inflação no bolso dos consumidores de baixa renda.

O INPC é a referência oficial para a atualização do salário mínimo, com impacto em despesas com Previdência, abono salarial, seguro-desemprego e BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.

No envio do Orçamento, o INPC era estimado em 4,48%. Agora, esse percentual está em 4,04%.

"É verdade que isso [inflação menor] diminui esse volume de despesas condicionadas programadas, mas de outro lado também é importante lembrar que a queda do INPC em particular também tem o condão de contribuir para a redução daqueles quatro grandes itens de despesa relacionados ao salário mínimo", disse Bijos.

Técnicos ressaltam, porém, que o efeito benéfico, se confirmado, só será sentido em um segundo momento, após o corte nos gastos condicionados. Isso porque o Congresso Nacional não deve mexer na grade de parâmetros para incorporar o INPC menor às estimativas de gastos obrigatórios.

O efeito só deve ser absorvido na primeira avaliação bimestral, em março de 2024.

Além disso, economistas de fora do governo têm alertado para a subestimação dos gastos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Como mostrou a Folha, o governo fez uma mudança de última hora nas estimativas do Orçamento de 2024, incluindo um corte de R$ 12,5 bilhões nos gastos da Previdência Social para contemplar "medidas de redução" relacionadas à revisão de benefícios. Há dúvidas no mercado e dentro do próprio governo sobre a capacidade de atingir essa economia.

Além disso, o crescimento nominal da despesa com benefícios em 2024 ante 2023 está em cerca de 5%, o que é considerado incompatível com o cenário de alta de 7,65% do salário mínimo (que subirá a R$ 1.421 no ano que vem graças à nova política de valorização proposta pelo Executivo e chancelada pelo Congresso) e crescimento vegetativo de 1,03% da folha de pagamento (devido à concessão de novos benefícios).

Por isso, técnicos avaliam que qualquer alívio adicional proporcionado pelo INPC menor será insuficiente para compensar os ajustes que virão na despesa do INSS.

Neste ano, por exemplo, o gasto total com a Previdência já subiu R$ 7,2 bilhões em relação ao originalmente previsto no Orçamento de 2023.

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