Rivais online ganham com crise da Americanas, e minoritários ameaçam contestar plano

Mercado Livre e Amazon conquistaram espaço em meio à derrocada da varejista, que afetou fornecedores, funcionários e minoritários

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São Paulo

Trezentos e sessenta e cinco dias após vir à tona um escândalo contábil de cerca de R$ 25 bilhões, envolvendo uma das maiores varejistas do país, a maior parte dos públicos de interesse da Americanas ("stakeholders") sofre com os efeitos da crise.

Os mais prejudicados até o momento são funcionários —25% da equipe cortada, para 32.486 colaboradores—, fornecedores credores —desconto de 50% a 80% da dívida, para pagamento entre 4 e 20 anos— e acionistas minoritários —a ação desvalorizou 93% desde 11 de janeiro de 2023, quando foram reveladas "inconsistências contábeis", até o pregão desta quinta (11), data em que fechou a R$ 0,79.

"Eu tinha R$ 10 mil em ações da Americanas em 11 de janeiro do ano passado. Comprei mais R$ 50 mil em papéis no dia, animado com a chegada do Sergio Rial ao comando da Americanas", diz o administrador de empresas André Krizak, referindo-se ao ex-presidente da varejista, ex-CEO do conselho de administração do Santander Brasil, até então um dos executivos mais bem pagos do país, com salário anual de R$ 59 milhões, segundo a Forbes.

Três homens grisalhos de terno
Os bilionários Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, controladores da Americanas até 2021 e hoje maiores acionistas da empresa. - Montagem: Mastrangelo Reino/Folhapress; Alan Marques/Folhapress; AFP

"Eu me desfiz das ações que eu detinha do banco Inter e comprei papéis da Americanas. Hoje, meus R$ 60 mil viraram R$ 4 mil. Se tivesse com as ações do Inter, teria R$ 400 mil na conta", diz Krizak, que está liderando um grupo de minoritários, representantes de 5% do capital da Americanas, que entrarão com ação em uma câmara de arbitragem em São Paulo contra a empresa.

"Comprei a ação por R$ 12 e hoje ela tem preço de bala. Não vamos aceitar este plano de recuperação judicial", disse Krizak, destacando que cerca de 140 mil minoritários da varejista foram lesados e serão ainda mais prejudicados com a nova emissão de ações de até R$ 24 bilhões, prevista no plano.

Mercado Livre consolidou liderança e Amazon cresceu

Por outro lado, os marketplaces líderes do varejo online no Brasil —o argentino Mercado Livre e a americana Amazon— são apontados como os maiores vencedores da crise da Americanas.

"Mercado Livre e Amazon ganharam o espaço com a queda da Americanas, oferecendo ampla gama de produtos com logística azeitada, até com entrega no mesmo dia da compra", diz Renato Franco, sócio da Íntegra Associados, especializada em reestruturação empresarial.

"É claro que o consumidor online procura preço baixo e frete grátis. Mas, se o preço é semelhante ao da loja física e o frete é baixo, ele vai escolher uma grande empresa, porque confia que receberá o seu produto e de maneira rápida", diz.

Analista da Suno Research, José Daronco concorda. "A compra online depende fundamentalmente de confiança. E, diante de uma crise como a da Americanas, o consumidor migrou para Mercado Livre e Amazon", afirma.

A Amazon não revela quanto o Brasil representa nas vendas. Mas uma pesquisa do banco BTG Pactual apontou que o número de visitas mensais à versão brasileira do marketplace americano subiu 19% entre janeiro e novembro do ano passado, período em que o mesmo indicador da Americanas caiu 43%.

O levantamento do BTG, com base em dados da plataforma Similarweb, apontou que em novembro do ano passado a visitação à página da Amazon respondeu por 23,2% do total de visitas aos principais sites de comércio eletrônico do país (tráfego web, sem considerar aplicativo), uma alta de quase quatro pontos percentuais sobre janeiro.

Já a participação de Americanas caiu de 9,5% para 4,5% no período. A liderança absoluta durante o ano ficou com o Mercado Livre, que em novembro concentrou 28,9% das visitas.

O Brasil é a principal operação do marketplace argentino, respondendo por 53% das receitas do grupo, que incluem o marketplace e a fintech Mercado Pago. Nos nove primeiros meses de 2023, a receita líquida de produtos e serviços do Mercado Livre no Brasil somou US$ 5,36 bilhões (R$ 26,2 bilhões), avanço de 30%.

No mesmo período, os tradicionais competidores da Americanas viram sua receita líquida ficar estagnada (caso de Magalu, com R$ 26,2 bilhões) ou cair (Casas Bahia somou R$ 21,4 bilhões, recuo de 3%).

Qual a primeira loja lembrada para compra online?

Segundo pesquisa da NielsenIQ|Ebit referente ao 4º trimestre de 2023

  1. Amazon

  2. Mercado Livre

  3. Magazine Luiza

  4. Shopee

  5. Americanas

  6. Casas Bahia

Outra pesquisa, agora da NielsenIQ|Ebit, apontou que no último trimestre de 2022, pouco antes do escândalo contábil, a Americanas ocupava a segunda posição entre os sites mais lembrados pelo brasileiro na hora de fazer compras. Desde então, foi ultrapassada pelos demais competidores.

Segundo a NielsenIQ|Ebi, no último trimestre de 2023, a preferência dos consumidores online estava em Amazon, Mercado Livre, Magalu, Shopee e Americanas, nesta ordem. Em último lugar, Casas Bahia.

Bancos perdoaram bilionários e vão se tornar sócios da varejista

Para além de perdedores e vencedores, na maior crise corporativa da história do país existem alguns remediados. Na opinião de consultores em varejo ouvidos pela Folha, é nesta categoria que se encontram os principais acionistas da Americanas —o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira— e os maiores bancos do país, principais credores da varejista, com cerca de R$ 20 bilhões a receber.

Os dois lados, bancos e bilionários, protagonizaram brigas midiáticas nos tribunais desde a descoberta da fraude contábil. Mas agora serão sócios da "nova Americanas". Isso porque o plano de recuperação judicial, aprovado em 19 de dezembro, inclui o aumento de capital da companhia via emissões de novas ações. Serão R$ 12 bilhões para os acionistas controladores e até R$ 12 bilhões para os bancos, que converterão em papéis a maior parte da sua dívida.

Para os bancos, ficou a ideia de que não se pode culpar o trio de bilionários porque não foram encontradas provas contra eles —por mais que as instituições financeiras (em especial Bradesco e Safra) tenham tentado judicialmente chegar à caixa de emails de Sicupira, o representante do trio na Americanas, onde é membro do conselho.

Com isso, a culpa pela fraude contábil recaiu sobre a antiga diretoria da empresa, informou à Folha uma fonte do mercado financeiro que acompanhou a negociação entre a varejista e os bancos.

Já o trio de bilionários, embora tenha visto parte do seu patrimônio virar pó com a derrocada do valor das ações terá mais poder na "nova Americanas": juntos vão somar 46% ou 49,3% das ações da varejista, a depender do resultado do aumento de capital. Até agora, têm 30,1%.

'Maiores acionistas trocaram dívida de R$ 50 bi por aporte de R$ 12 bi'

"Eles serão os maiores acionistas de uma nova empresa real, não com balanços fictícios, como os apresentados nos últimos anos", diz o advogado tributarista Diogenes Mizumukai Rodrigues, sócio da BMFK Sociedade de Advogados.

"Ficaram com uma empresa saneada, ainda que não se saiba o quanto ela vai valer". Para ele, bancos e bilionários estão longe de serem perdedores na crise.

Condição muito pior, diz Rodrigues, é a dos minoritários e a dos fornecedores. "A participação dos minoritários tende a desaparecer na nova configuração."

Na opinião de André Krizak, do ponto de vista dos minoritários, o trio de bilionários foi de certa forma favorecido, uma vez que estão há décadas à frente de uma varejista que deixou uma dívida de R$ 50 bilhões (incluindo pendências entre empresas do grupo), mas vão aportar R$ 12 bilhões, além de aumentarem a sua participação na companhia. "Não deixa de ser algo vantajoso", diz.

A advogada Marina Blattner, sócia do escritório Wald, que representa a holding LTS, do trio de bilionários, afirmou que esse raciocínio não faz sentido.

"Os minoritários estão sendo extremamente beneficiados", diz Marina. "O plano vai ajudar a companhia a voltar a gerar valor, a se reerguer. Além disso, eles podem participar do aumento de capital."

Já a Americanas ressaltou, em nota, que "o preço do aumento de capital previsto no PRJ [plano de recuperação judicial] observa todas as regras e legislações vigentes e está em linha com as melhores práticas de mercado".

Para o advogado especializado em recuperação judicial Filipe Denki, da Lara Martins Advogados, os fornecedores foram extremamente penalizados com as condições impostas no plano de recuperação judicial.

Além do deságio, o pior foi o fato de eles se comprometeram a não processar a empresa, sob o risco de terem seu pagamento interrompido. "Essa cláusula é ilegal", afirma. "O direito de defesa é constitucional."

Entre os 1.860 credores presentes à assembleia de credores, 1.604 votaram a favor, 100 se abstiveram e 156 votaram contra o plano. Entre eles, grandes empresas como BRF, Suzano, Sanofi, L'Oréal, Boticário, Grendene, Neoenergia, Tirolez e Wickbold. Ao todo, os credores que disseram "não" ao plano tinham mais de R$ 1 bilhão a receber.

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