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Ambulantes contam como é a rotina de vender comida na rua; leia depoimentos

Trabalho passa por estar atento ao perfil do público, acompanhar mudanças de comportamento e otimizar despesas

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São Paulo

Um dia de trabalho de um vendedor ambulante de comida geralmente começa bem cedo. Preparar os alimentos, transportar todo o material necessário até o ponto fixo e montar a estrutura são etapas escondidas por trás da barraca pronta e produtos expostos.

Para se destacar em meio a tantos concorrentes, comerciantes de rua buscam priorizar o contato com o público, estar atento às suas mudanças de comportamento e otimizar as despesas do negócio. Na porta do estádio ou na feira, é sempre importante prezar pela qualidade do que se vende.

Montagem de duas fotos. À esquerda, Gercina Alves, a Tia Gê, em feira noturna em Itaquaquecetuba. À direita, David Chu na barraca do Masterchu em 2019, na feira da Liberdade, em São Paulo
À esquerda, Gercina Alves, a Tia Gê, em feira noturna em Itaquaquecetuba. À direita, David Chu na barraca do Masterchu em 2019, na feira da Liberdade, em São Paulo - Arquivo pessoal

Conheça as histórias de dois comerciantes que há anos se dedicam à rotina de vender lanches na rua.

'Vendo até 150 lanches de pernil, mas tem jogo que é só prejuízo'

Gercina Alves, 60, mora em Itaquaquecetuba e vende lanches na porta de estádios há 36 anos

Meu esposo fornecia mercadoria para quem trabalhava no estádio. Eu só acompanhava, até que falei que também queria trabalhar ali e ele arrumou um carrinho de cachorro-quente. Hoje, ainda falo que ele me fez virar uma viciada, porque eu gosto. Tem partes boas e ruins.

Ele sempre teve outra ocupação, trabalhava registrado, e eu, com eventos. Depois, ele virou motorista de caminhão, mas hoje não trabalha mais, porque teve os pés amputados por conta da diabetes. Ficou um bom tempo sem receber INSS e agora estão pagando auxílio-doença.

Mudou bastante coisa desde que comecei. Antes, podia até vender cerveja de garrafa. O ingresso não era antecipado, o torcedor ia cedo ao Pacaembu para comprar.

Eu preferia aquele tempo. Não tinha briga, e não tinha mesa e cadeira. O torcedor pedia pernil e calabresa, para não perder tempo —jogou no pão, está entregue. Não tinha cardápio, nada disso.

Gercina Alves, a Tia Gê, em feira noturna em Itaquaquecetuba
Em um dia bom no estádio, Tia Gê chega a vender 150 pernis e 30 dos outros lanches, que incluem cheeseburguers e sanduíches de calabresa - Arquivo pessoal

Antes de virar arena, o Allianz Parque era o lugar em que eu mais vendia. O pessoal, não sei se pela descendência de italiano, gosta muito de porco. Depois que virou Allianz, veio muito comércio e shopping, aí piorou para a gente.

Vendo o pernil tradicional de estádio a R$ 25. O lanche mais caro é o pernil com queijo (R$ 30) e o mais barato, o cheeseburger (R$ 13). Ainda faço hot dog, mas o carro-chefe sempre foi pernil.

Em um dia bom, vendo de 120 a 150 pernis e cerca de 30 dos outros lanches. Não anoto tudo certinho, mas custa dinheiro. Se eu vender R$ 3.000 aqui hoje, o que saiu? E a mercadoria? Suponhamos: se entra R$ 3.000, R$ 2.500 são de despesa. Dependendo do dia, não tiro além da despesa, e tem jogo que é prejuízo.

Prefiro jogo na segunda do que no domingo, porque no domingo todo mundo está em casa e vem para o estádio depois de comer macarronada da mãe, lasanha ou churrasco. Em dia de semana, a maioria sai do serviço e chega aqui com fome.

O horário das 20h30 é o melhor: o pessoal sai do trabalho, não tem tempo de comer em outro lugar e vem direto para o estádio. Antigamente, os jogos eram nesse horário, mas mudou depois que começou esse negócio de televisão.

Para mim, não é tão vantajoso quando é jogo de multidão, porque os primeiros com quem o policiamento mexe somos nós. Eles não vêm para cima, mas quando estão no confronto não olham se sou eu, que estou trabalhando, ou se é torcedor na confusão.

Para a final de domingo no Morumbi [em 24 de setembro, quando o São Paulo venceu o Flamengo pela Copa do Brasil], planejamos uma quantidade, mas foi um prejuízo grande, porque não tivemos espaço para trabalhar.

Conseguimos trabalhar na saída, mas teve todo um tumulto. Em dia de jogo grande, para a PM, quanto mais o acesso estiver livre, melhor para atuar se tiver confronto.

'Não importa a geração, o público vem sempre em primeiro lugar'

David Chu, 61, nasceu em Taipé, em Taiwan, e trabalha na barraca da família na Liberdade, em São Paulo, desde 197

Meus pais são praticamente fundadores da feira da Liberdade. Começamos em 1975, e a feira foi fundada um ano antes, com 11 barracas.

Ainda não existia, oficialmente, comida de rua. Minha mãe que introduziu no Brasil o formato redondo de tempurá, e o camarão empanado no espetinho também. Em restaurante chinês, se come um por um, mas ela adaptou para empanar no próprio palito.

Começamos também com bolinho de carne e de bacalhau. Na época, eu tinha 13 anos, cresci debaixo da lona e atrás da barraca, que era o único sustento dos meus pais.

Quando terminei o colégio, comecei a faculdade de direito, mas parei na metade. Paralelamente à barraca, sempre fiquei no ramo da alimentação: já tive lanchonete, restaurante, churrascaria, pizzaria.

Hoje, estou focado na barraca, o titular é meu irmão. Nossos pais faleceram e, devido à idade, tivemos que cessar as outras atividades.

Comerciante David Chu na barraca do Masterchu em 2019, na feira da Liberdade, em São Paulo
David Chu garante que um dos motivos para o sucesso da barraca do Masterchu é um segredo na receita de família - Arquivo pessoal

Nosso forte é o tempurá, que custa de R$ 15 a R$ 20 —o vegetariano sai mais barato. Vendemos de 300 a 400 unidades em um fim de semana.

Não é muito, mas dá para pagar as contas. Não tenho pretensão de ser CEO ou de ter filiais ou franquias. Nunca trabalhei para outra pessoa nem tive carteira assinada. Na churrascaria, tive até 35 funcionários, mas é muito difícil. O custo empresarial no Brasil é muito alto.

Na barraca, a despesa é pequena, trabalham de seis a oito pessoas. Ganhamos pouco, mas somos felizes.
Há momentos em que passamos perrengue, como nos últimos fins de semana, com chuva ou calor, e o público não vem. Como o empreendimento está a céu aberto, estamos sujeitos ao clima.

Como a concorrência é grande, o diferencial é trabalhar com qualidade de primeira e ter bom atendimento —e, claro, sempre tem um segredo mantido a sete chaves.

Nosso produto exige um cuidado muito maior, porque fritura só é gostosa quando é feita na hora. Não é algo que podemos requentar, tem que ser rápido, com óleo sempre quente, porque tem que ficar bem crocante.

Se fez a massa e não usou, tem que jogar fora, porque ela fermenta e seca. A verdura também tem que ser fresca.

De antigamente, sobraram umas cinco barracas. Alguns faleceram, outros não tiveram mais interesse em tocar. Hoje a dinâmica é outra. Depois da pandemia, o perfil de cliente mudou.

Antes era mais tradicional. Hoje, muitos jovens vêm pelas redes sociais, e eles são ávidos por novidade.
Nossa feira é bem organizada e dinâmica, então nos adaptamos a essa mudança.

Ainda temos os clientes antigos. Muitas pessoas passam e falam dos meus pais, são lembranças muito boas. Não importa a que geração pertence, o público vem sempre em primeiro lugar.

‘Não cai a ficha de que somos famosos, somos os mesmos de sempre’

Valdemar de Almeida, 89, e Joana Quinhoneiro de Almeira, 88. Moram em Bauru, vendem caldo de cana desde 1976 e têm 1,8 milhão de seguidores no TikTok, onde são conhecidos como Senhores Bacanas

Valdemar: Sou popularmente conhecido como Senhor Bacana. Eu era gerente na Cooperativa da Noroeste. A empresa fechou em 1976, então montei um carrinho de caldo de cana e virei garapeiro. Tínhamos seis crianças pequenas em casa e só eu trabalhava. Deu muito certo.

Comprei minha Kombi em 1989 e trabalho nela desde então. Em 2020, meu neto reformou minha perua, ficou bonitona. Ela é verde e amarela e, por onde passa, todo mundo sabe que é o Senhor Bacana.

Eu me levanto às 7h, quebro o gelo e preparo tudo direitinho. Minha velhinha me ajuda a levar tudo para a perua e eu vou para o ponto. Trabalho de segunda a sábado, das 8h às 16h. Depois, volto para casa e me preparo para o dia seguinte, enquanto ela lava as coisinhas para levar. É um trabalho conjunto.

Vendo também água de coco, mas vendo mais caldo de cana. Meu preço é o mesmo para os dois: o copo de 300 ml custa R$ 5, o copo de 500 ml sai por R$ 8 e as garrafinhas são R$ 9. A minha garapa é um caldinho amarelinho, bonito. Eu ponho limão, gengibre e maracujá, isso que me faz diferente.

Tenho muitos clientes fiéis. Quando começou a pandemia, eu não podia mais trabalhar na cidade, aí meu neto chegou e falou: "Vô, vamos vender caldo de cana no delivery". Graças a Deus deu tudo certo, começamos a vender três vezes mais do que no meu ponto.

Arrumamos um motoqueiro para entregar. Era uma correria, porque tinha dia com muitos pedidos. Fomos levando até o dia em que paramos com o delivery.

Joana: Sou doméstica e ajudo meu velho no serviço dele. Agora, estou fazendo cada vez mais vídeos, estou viajando, e não quero outra vida.

Minha rotina é boa. Além de tudo que cuido em casa, estou trabalhando fora, fazendo vídeo. Não éramos conhecidos e, de repente, gostaram tanto da gente que mandam cada vez mais mensagens. Fico feliz com isso.

Às vezes, fico pensando no que eu faço para o pessoal mandar tantas mensagens. Não sei o que acontece. Não cai a ficha de que somos famosos, somos os mesmos de sempre. Falam que são seguidores, mas, para mim, são netinhos.

Eles dizem que eu cozinheira de mão cheia, mas tem gente muito melhor. Eu comecei desde menina, aos 13 anos. Trabalhava na casa de um casal de portugueses e lá me ensinaram a fazer comida com muito bacalhau, feijão branco e grão-de-bico.

Quando casei e fui para a minha casa, comecei a fazer uma comidinha normal. Eu procuro fazer bem feito, bem gostosa. Não faço de qualquer jeito, então o pessoal acha que sou cozinheira.

Doces, bolos... O que eu sabia, fazia em casa. Comecei a ver muitas receitas e a melhorar também. Hoje, tenho meu livrinho de receitas. É baratinho e me ajuda um pouco.

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