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Plano de Trump para Israel e Palestina reúne hipocrisia e realismo

Proposta foi feita para ser rejeitada, e isso pode levar a impasse ou negociação

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São Paulo

O “acordo do século” proposto por Donald Trump para solucionar 71 anos de conflitos entre israelenses e palestinos foi desenhado para não ser aceito pelo lado árabe da disputa. É uma peça que une hipocrisia e “realpolitik” em igual medida.

Hipócrita porque oferta uma paz sem que os palestinos tenham sido chamados para conversar.

E, a ofertando, o faz em forma de ultimato: para Trump, essa será a última chance que os quase 5 milhões de moradores da Cisjordânia e da Faixa de Gaza terão de normalizar suas condições de vida.

Já a realidade política se impõe na escolha que Trump fez, rompendo a tradição de seus 12 antecessores a serem vistos como principais mediadores das disputas de Israel com seus vizinhos e habitantes —moram hoje no Estado judeu 1,9 milhão de árabes.

Netanyahu aplaude discurso de Trump sobre o plano de paz proposto para Israel e Palestina
Netanyahu aplaude discurso de Trump sobre o plano de paz proposto para Israel e Palestina - Mandel Ngan/AFP

Desde a histórica paz com o Egito selada em Camp David em 1979 até o fracasso fragoroso do estabelecimento da Palestina no mesmo lugar 21 anos depois, os americanos sempre miravam algum tipo de equilíbrio.

A abordagem fracassou progressivamente de 2000 para cá. A lista de culpados de lado a lado vai sempre depender da inclinação política do observador. A verdade mais provável é que ela vale para todos os lados.

Para os críticos de Israel, a cristalização da política linha-dura de Binyamin Netanyahu na sua década seguida no poder provou o instinto segregacionista de Tel Aviv.

Onde era necessário uso de força militar na visão de Bibi, seja contra o Hamas na Faixa de Gaza ou nas escaramuças fronteiriças com o Hizbullah libanês, ela ocorria.

O asfixiamento econômico e humanitário da população palestina, simbolizado pelo muro levantado na região, era o preço pela sensação de segurança para os israelenses —com efeito, o terrorismo decresceu dramaticamente.

Por outro lado, a vitimização palestina sempre passou pela forma hipócrita como sua causa foi manipulada pelos países da região ao longo das décadas, como mostra o mais recente ator desse jogo, o Irã, que criou títeres regionais como o Hamas.

A forma com que o grupo comanda Gaza, com terror direcionado a dissidentes internos sob a justificativa do cerco que Israel de fato impõe, não o qualifica exatamente a santo na narrativa.

Na ANP (Autoridade Nacional Palestina), a frágil e corrupta estrutura executiva legada por Yasser Arafat (1929-2004) ao hoje idoso e contestado Mahmoud Abbas, 84, mostrou-se incapaz de unificar as inúmeras facções palestinas.

Com essa pulverização e um certo deslocamento do interesse mundial do conflito israelo-palestino para as emergências de segurança oriundas da Al Qaeda e do Estado Islâmico ou às guerras no Iraque e na Síria, tentar impor um acordo de paz unilateral tornou-se uma opção quase palatável. Isso é “realpolitik”.

Não quer dizer que vá dar certo em termos de solução de conflito. Nesse sentido, foi significativa a ausência da Jordânia, país com a maior população de refugiados palestinos no mundo, no teatro de Trump e Bibi —o país apenas pediu negociações sob a égide da lei internacional.

O americano jogou na confusão. Falou em “mais que dobrar” o território palestino, mas o plano prevê a exclusão das áreas com assentamentos considerados ilegais judeus na Cisjordânia para Israel, garantindo o controle sobre o vale do rio Jordão —o único curso de água naquela região desértica.

O aumento de área passa, no bizarro mapa proposto por Trump, pela cessão de dois pontos no deserto junto à fronteira do Egito.

Lembra um pouco a criação de uma “pátria para os judeus” pelo ditador soviético Josef Stálin nos confins da Sibéria, em 1934, um fracasso que legou uma área hoje com menos de 2% de aderentes do judaísmo.

Já a conexão da Cisjordânia com Gaza seria feita por um túnel, uma visão algo criativa para contiguidade territorial.

O presidente também disse que os palestinos teriam uma embaixada americana em algum ponto de Jerusalém Oriental, mas o plano fala genericamente em alguma capital nos subúrbios da área de maioria árabe, fora da barreira hoje existente.

 

Ao mesmo tempo tratou Jerusalém como “capital indivisível de Israel”. A dissonância deve ter desagradado boa parte da centro-direita e direita israelenses.

Assim como o compromisso com um Estado palestino, algo que trava as negociações desde os acordos de Oslo nos anos 1990, deve ter descido quadrado para a liderança em Ramalá.

Se por um lado é algo positivo a seus olhos, a minúcia de ter um Estado desprovido de força militar e soberania plena parece suficiente para garantir a rejeição da ideia.

Também é ilusório crer no desarmamento do Hamas e da Jihad Islâmica, isso para não falar sobre como o primeiro grupo iria ceder voluntariamente o comando da Faixa de Gaza e seus 1,9 milhão de habitantes.

Ao dar quatro anos para as partes se acertarem, resta ao observador equidistante escolher o pessimismo ou o otimismo.

Na primeira hipótese, mais realista, é possível que Israel faça avançar as cláusulas que lhe interessam enquanto o mundo árabe protesta. A sinalização dada por Bibi, de colocar as anexações previstas para análise do Parlamento, vai nessa linha e insinua renovadas turbulências.

Na segunda, não impossível se houver algum tipo de pressão por parte de países árabes, o prato feito é aceito como base para alguma negociação futura. É o que defende a Rússia, por exemplo.

Por fim, como se antevia, o plano parece tratar mais imediatamente da política interna de dois líderes sob fogo interno —um acusado de corrupção, outro tendo o impedimento em julgamento.

 
 
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