Marcha na Argentina pede substituição de juízes e reforma do Judiciário

Alberto Fernández tenta se descolar de manifestação convocada por grupos peronistas

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Buenos Aires

Uma marcha contra a Corte Suprema da Argentina e com pedidos por uma reforma judiciária reuniu milhares de pessoas no centro de Buenos Aires nesta terça-feira (1º). A maioria dos manifestantes que se concentraram em frente ao obelisco da capital para caminhar até a praça Tribunales era formada por ativistas, apoiadores do peronismo e sindicalistas.

Muitos cartazes atacavam os juízes Horacio Rosatti e Carlos Rosenkrantz, respectivamente presidente e vice da Corte Suprema. Ambos foram nomeados por Mauricio Macri em 2015, inicialmente por decreto —depois a indicação seguiu o trâmite regular, com a aprovação pelo Senado. Até hoje, os magistrados são considerados politicamente posicionados contra o kirchnerismo.

A porta-voz do governo, Gabriela Cerruti, afirmou que a gestão "não toma posição" oficialmente em relação aos protestos, mas fez a ressalva de que Alberto Fernández já apresentou propostas sobre o Judiciário que espera ver avançar em sua gestão. A possível reforma não inclui a substituição dos juízes da Corte Suprema e tem mais a ver com a descentralização de tribunais pelas diversas províncias —sem que todas as causas federais precisem ser resolvidas em Buenos Aires.

Argentinos protestam por reforma no Judiciário do país em frente ao Palácio da Justiça, em Buenos Aires
Argentinos protestam por reforma no Judiciário do país em frente ao Palácio da Justiça, em Buenos Aires - Emiliano Lasalvia/AFP

Pouco antes de partir para uma viagem à Rússia e à China, o presidente afirmou que "a manifestação é legítima e cidadã", não política. Fernández enfrenta nesta semana o início do que pode ser uma nova crise política em sua coalizão, após o deputado Máximo Kirchner renunciar ao posto de líder do governo na Câmara por discordar do acordo recente costurado com o FMI.

Uma das bandeiras centrais da marcha é a de substituição dos magistrados da mais alta instância da Justiça. Segundo os organizadores, os nomes atuais estão praticando "lawfare", ou seja, determinando condenações com base em interesses políticos. "A principal demanda é acabar com o 'lawfare' na Argentina, e temos de acabar com ele com o povo na rua, tirando à força esses juízes dessa corte miserável", disse o dirigente sindical Luis D'Elia.

Apesar do linguajar, o ativista prometeu um movimento pacífico. Com ele na organização da marca estiveram outros representantes do kirchnerismo —não por acaso, todos são alvo de processos.

D'Elia, por exemplo, foi condenado em 2017 a quatro anos de prisão por invadir uma delegacia no bairro da Boca e "atentar contra a autoridade". Está em liberdade condicional. Outro organizador enrolado com a Justiça é Juan María Ramos Padilla, envolvido no escândalo chamado de "cadernos da corrupção", que investiga se durante os anos Kirchner na Presidência —com Néstor e depois Cristina, entre 2003 e 2015— houve entregas ilícitas de dinheiro para subornos.

Hebe de Bonafini, 93, uma das fundadoras da organização das Avós da Praça de Maio, também ligada à marcha desta terça, responde a processo por desvio de verbas para a construção de habitações populares, que teriam ficado na mão da entidade de direitos humanos.

Apesar de não se manifestar em apoio à marcha, a hoje vice-presidente Cristina Kirchner exortou seus funcionários mais fiéis a estimularem a militância a "repensar sua relação com a Justiça e dizer que Justiça querem". Entre essas autoridades estão o ministro da Segurança, Aníbal Fernández, investigado por um esquema de corrupção ligado a desvio de medicamentos, seu vice, Juan Martín Mena, e a chefe do sistema de inteligência, Cristina Caamaño.

A própria Cristina, que desde o início do mandato acumulou algumas vitórias judiciais, com a extinção de processos, ainda tem quatro ações abertas que poderiam complicar sua vida. A pressão da vice também tem peso no fato de Fernández tentar uma reforma do Judiciário.

Amado Boudou, que foi vice de Cristina, esteve na marcha e foi bastante aplaudido. Ao final da caminhada, os manifestantes cantaram o hino nacional. Outras bandeiras que estão convocando a população e a militância nesta terça pedem o "fim da impunidade" e que processos corram de modo mais acelerado.

"Estão dando um rótulo político a essa marcha, mas isso é equivocado. Trata-se de uma manifestação convocada pelos cidadãos, que querem uma Justiça independente. A estrutura atual não dá resposta a cidadãos comuns", disse Leopoldo Moreau, deputado da aliança governista.

A CGT (Confederação Geral do Trabalho), principal união de sindicatos do país, afirmou que irá acompanhar a marcha porque "é interesse de todos os trabalhadores ter uma Justiça mais independente", segundo seu presidente, Pablo Moyano.

A oposição fez duras críticas à realização do evento. A aliança Juntos por el Cambio, do ex-presidente Mauricio Macri, afirmou num documento que o protesto tem "suma gravidade institucional". "É outro passo na política sistemática que o governismo assumiu para atacar os juízes que não se comportam segundo seus desejos", diz o texto. "Trata-se de uma atitude golpista."

A deputada Paula Oliveto disse que que fez uma denúncia de sedição contra o vice-ministro da Justiça, Juan Martín Mena. O político apoiou a marcha e fez um discurso pedindo a destituição dos juízes. "Não é possível que uma manifestação com essas características seja avalizada e estimulada por altos funcionários do governo", criticou a parlamentar.

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