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Ditador da Nicarágua chama Igreja Católica de 'ditadura perfeita'

Daniel Ortega critica forma de escolha de papas; político vive tensões com o Vaticano e intensificou cerco a religiosos

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Manágua | AFP

O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, usou um pronunciamento em rede nacional nesta quarta-feira (28) para definir como ditadura a Igreja Católica.

Após décadas de uma relação que misturou períodos de colaborações e de atritos, o político vive uma escalada de tensões com o Vaticano. O estopim mais recente foi a prisão do bispo Rolando Álvarez, que motivou um apelo do papa Francisco por um diálogo aberto e sincero com Manágua.

"Tudo [na igreja] é imposto. É uma ditadura perfeita, uma tirania perfeita. Quem elege os padres, os bispos, quem elege o papa? Com quantos votos, de quem? ", disse o ditador, em seu discurso. "Se querem ser democráticos, que comecem a eleger o papa, os cardeais, os bispos, com o voto de todos os católicos."

O ditador nicaraguense Daniel Ortega discursa em evento de 43 anos de fundação do Exército, em Manágua - Jairo Cajina - 2.set.22/Divulgação/AFP

Ortega voltou a rotular religiosos de assassinos e golpistas pelo apoio que supostamente foi dado a partir dos templos a protestos da oposição em 2018. "Manifestantes saíam das igrejas —nem todos— armados, para lançar ataques contra as delegacias."

Ortega não tem exatamente as melhores credenciais para exigir democracia. O político está no poder de forma ininterrupta desde 2007, vencendo eleições de fachada. Nos seis meses anteriores à última votação, em novembro passado, o regime prendeu, sob acusações de lavagem de dinheiro e traição à pátria, sete candidatos opositores.

Há ainda atrás das grades mais de 30 outros políticos e mais de cem líderes sindicais e estudantis, jornalistas e ativistas, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Muitos têm sido condenados em julgamentos igualmente de fachada.

Nos últimos anos, Ortega cancelou o registro dos dois principais blocos de oposição, passando a dominar o Legislativo, e nomeou novos juízes da Suprema Corte, viabilizando a aprovação de leis que estendem prisões preventivas e o alcance das acusações de traição.

A perseguição se estende à produção acadêmica e à imprensa; o principal jornal nicaraguense recentemente se viu obrigado a retirar de forma clandestina todos os seus funcionários do país. Na mesma época, sete rádios católicas ligadas a um bispo crítico ao ditador foram fechadas.

As relações entre o regime e a igreja vêm se deteriorando desde 2018, quando uma onda de protestos acabou com mais de 300 manifestantes mortos em confronto com as forças de segurança e grupos paramilitares alinhados ao regime. Segundo o Observatório Pró-Transparência e Anticorrupção, entre abril de 2018 e maio de 2022 houve ao menos 190 agressões contra a Igreja Católica na Nicarágua.

No começo da Revolução Sandinista, em 1979, lideranças católicas se associaram ao movimento, em oposição à ditadura do clã Somoza, que governava desde 1937. Entre eles, se destacavam padres vinculados à Teologia da Libertação. Na primeira junta de governo, que incluía Ortega, havia quatro sacerdotes, entre eles o poeta Ernesto Cardenal.

Com a dissolução do grupo, o apoio dos religiosos ao hoje líder do regime se dividiu —Miguel Obando y Bravo, que foi arcebispo de Manágua e morreu em 2018, se tornou um crítico contundente. Ortega, que na época de revolucionário era ligado ao grupo mais progressista, nos últimos tempos tentou uma reaproximação com o setor mais conservador, mas nunca conseguiu uma adesão em bloco.

A mais recente onda de perseguição começou em março, com a expulsão do país de líderes estrangeiros como o núncio apostólico polonês Waldemar Sommertag e um grupo de missionárias da ordem da Madre Teresa de Calcutá, acusadas de serem terroristas. Depois ainda vieram relatos de bombas em templos, prisão de sacerdotes e o fechamento de igrejas.

O cerco às instituições é repudiado por outras nações e organismos internacionais. O movimento vem sendo mencionado por Jair Bolsonaro (PL), em debates e mesmo em seu discurso mais recente na Assembleia-Geral da ONU. Sob o argumento da proteção religiosa, o contexto é principalmente eleitoral, como forma de atingir Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —alas do partido mantêm certo nível de proximidade com o regime de Manágua.

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