Descrição de chapéu China desigualdade de gênero

Cúpula do Partido Comunista Chinês deve manter ausência feminina após congresso

Só uma política é citada para entrar no Politburo; sob Xi, regime reforça papel de esposa e mãe ante desafio demográfico

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Farah Master Xiaoyu Yin
Hong Kong | Reuters

Pode-se dizer que há dois resultados muito prováveis no 20º Congresso do Partido Comunista Chinês, iniciado no último domingo (16) em Pequim: Xi Jinping vai consolidar seu poder no país, e as mulheres chinesas não preveem grandes avanços em matéria de igualdade de gênero.

Durante a década de Xi como secretário-geral do partido e líder da ditadura, a presença de mulheres na política e na elite governamental diminuiu, e as disparidades de gênero na força de trabalho aumentaram, segundo ativistas e acadêmicos —que afirmam que vozes feministas foram caladas e que o regime vem dando ênfase crescente ao valor dos papéis tradicionais das mulheres como mães e cuidadoras.

Funcionárias servem chá para delegações momentos antes da abertura do 20º Congresso do Partido Comunista Chinês, em Pequim - Thomas Peter - 16.out.22/Reuters

Em frase que ficou célebre, Mao Tse-tung, o fundador da República Popular da China, disse que "as mulheres seguram metade do céu", e a igualdade de gênero está consagrada na Constituição.

Sob Xi, porém, o poder ficou muito mais concentrado do que era 15 anos atrás, quando coalizões opostas buscaram a aprovação das mulheres, fato que levou ao aumento da representação política feminina, diz Cheng Li, especialista em política chinesa do Brookings Institution. "A tendência atual é de as mulheres geralmente serem vices ou ocuparem cargos mais simbólicos."

O congresso do partido deve conservar a composição exclusivamente masculina do grupo da liderança máxima do partido —o Comitê Permanente do Politburo, hoje com sete integrantes.

A única mulher vista como candidata para ingressar no Politburo, que conta com 25 membros, é a chefe partidária provincial Shen Yiqin. A única que integra o Politburo hoje é Sun Chunlan, que comandou a política de Covid zero da China. Ela tem 72 anos e a expectativa é que se afaste da política.

A entidade seguinte na hierarquia do partido é o Comitê Central, em que mulheres hoje ocupam 30 vagas, ou 8% do total, entre o total de 371 membros plenos e suplentes. É menos do que em 2007, quando 10% das vagas eram ocupadas por mulheres. E, dos 31 governadores de províncias, só 2 são mulheres.

A ausência feminina no alto escalão parece destoar de uma campanha ampla do Partido Comunista para aumentar a representação dessa parcela da sociedade. A campanha teria levado a proporção de mulheres entre os membros do partido a subir de 24% em 2012 para 29% em 2021.

Há setores nos quais as mulheres têm avançado significativamente no país, especialmente no das empresas. No ano passado, 13,8% dos diretores de conselhos de firmas chinesas foram mulheres, um aumento em relação a 2016, quando foram 8,5%, segundo relatório da MSCI. O regime afirma também que 55% das startups do setor de tecnologia no país foram fundadas por mulheres.

Mas, segundo especialistas, a ausência de líderes mulheres no governo se traduz em reveses reais para a população. "Isso acaba tendo efeitos sobre coisas que vemos na sociedade: os direitos femininos, os índices de natalidade, a disparidade salarial, a violência doméstica", diz Valarie Tan, analista do Instituto Mercator de Estudos da China.

O órgão do regime responsável pelos direitos das mulheres não respondeu a um pedido de comentário da agência Reuters.

Segundo declaração de 27 de setembro postada no site da entidade, a China tem feito "progresso constante nas causas femininas" nos últimos dez anos, e as mulheres do país têm igualdade de direitos com os homens.

'Boas esposas, boas mães'

Em um momento em que muitos países têm avançado para reduzir a disparidade de gênero, a China hoje ocupa o 102º lugar, de 146, no ranking do tema do Fórum Econômico Mundial —tendo caído em relação a 2012, ano em que Xi chegou ao poder, quando ocupou a 69ª posição.

"O ambiente piorou, sem dúvida", diz Grace Wang, 28. "Isso não significa que fosse bom antes —sempre foi ruim, mas agora a exploração ficou ainda mais conveniente." Ela conta que foi preterida em uma promoção num emprego anterior em função do gênero e que enfrenta problemas semelhantes no trabalho atual. "Na vida profissional eu me limito a tentar ganhar o suficiente para pagar minhas contas."

Em dezembro passado a China sinalizou um plano de reformular uma lei de modo a garantir às mulheres mais proteção contra a discriminação e o assédio sexual nos locais de trabalho. Dezenas de milhares de pessoas já sugeriram emendas à reformulação da lei.

Mas ativistas encaram com preocupação a intensificação do discurso de Pequim sobre o valor dos papéis femininos tradicionais, no momento em que procura enfrentar as crises demográficas nacionais: um dos índices de natalidade mais baixos do mundo, relutância crescente em ter filhos e a população em processo de envelhecimento acelerado.

Em um discurso em julho de 2021, por exemplo, Xi falou da importância da igualdade de gênero, mas também disse que as chinesas devem ser "boas esposas e boas mães" e que precisam assumir "a missão de seu tempo: vincular seu futuro e seu destino estreitamente ao futuro e destino da pátria".

Especialistas também apontam para retrocessos mais concretos nos direitos das mulheres.

Em agosto a Autoridade Nacional de Saúde viu repercussão negativa nas redes sociais quando anunciou que a China vai desencorajar abortos exceto em casos de necessidade médica. E uma nova lei que obriga pessoas que pediram um divórcio a aguardar 30 dias para reconsiderar foi recebida com indignação generalizada, incluindo entre grupos que trabalham com vítimas de violência doméstica.

O ativismo feminista, que pareceu estar ganhando força na China em 2018 com um movimento #MeToo nascente, é rapidamente sufocado pelo regime com o cancelamento forçado de eventos, a censura de debates online e a prisão de ativistas.

"O movimento feminista está muito fraco hoje e não tem liberdade para evoluir", diz Lu Pin, ativista e fundadora do canal chinês online Vozes Feministas, que saiu do ar. Hoje ela vive em Nova York. "Muitos movimentos sociais foram silenciados, e as mulheres não têm livre-arbítrio."

Tradução de Clara Allain

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