Novo comissário de direitos humanos tenta se afastar da pecha de burocrata da ONU

Austríaco Volker Turk substitui Michelle Bachelet após trabalhar na agência de refugiados e na assessoria de António Guterres

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Nick Cumming-Bruce
Genebra | The New York Times

Na semana passada, um mês apenas depois de tornar-se o novo chefe de direitos humanos da ONU, Volker Turk estava na região de Darfur, no Sudão, encontrando vítimas de um conflito que já deslocou milhões de pessoas.

Depois, na capital, Cartum, ele se reuniu com os generais agarrados ao poder com a ajuda de tropas e que estão usando força letal contra manifestantes. Turk disse que o Sudão precisa de uma transição para um governo civil e precisa assegurar que os direitos humanos sejam a força que move esse processo político.

Volker Turk, novo alto comissário de direitos humanos da ONU, chega ao Palácio Wilson, em Genebra - Salvatore Di Nolfi/Pool/Reuters

Altos comissários de Direitos Humanos da ONU anteriores geralmente passavam alguns meses na sede da organização, em Genebra, para familiarizar-se com as complexidades de seu trabalho antes de partir em visitas a outros países. Mas Turk começou a organizar sua visita ao Sudão antes mesmo de começar oficialmente em seu novo cargo. Está se organizando para fazer mais uma ou duas viagens até o final do ano. Consta que uma missão à Ucrânia estaria em sua agenda.

Na quinta-feira (24), a turbulência no Irã estava no topo de sua lista. O Conselho de Direitos Humanos da ONU decidiu em sessão emergencial investigar a resposta de Teerã aos protestos contra o regime teocráticouma onda de repressão que já levou a centenas de mortes.

O Conselho pediu a indicação de uma missão internacional para apurar a reação das autoridades iranianas aos protestos populares amplos desencadeados pela morte sob custódia policial em setembro de Mahsa Amini, detida por infringir a lei sobre o uso do véu cobrindo a cabeça.

Turk criticou fortemente as ações das autoridades iranianas, dizendo que levaram a 300 mortes, incluindo mais de 40 crianças, a 14 mil prisões, algo que ele descreveu como espantoso, e à condenação à morte de pelo menos seis participantes em protestos.

"Os velhos métodos e a mentalidade de fortaleza daqueles que estão no poder simplesmente não funcionam", disse. "A mudança é inevitável. Para avançar é preciso empreender reformas significativas."

A presteza com que Turk está abraçando seu novo cargo aponta para as vantagens práticas que ele confere a esse posto, pelo fato de ser um funcionário experiente, que conhece a ONU por dentro e está familiarizado com sua burocracia complexa.

Com 57 anos de idade, Turk tem 30 anos de experiência trabalhando para as Nações Unidas, primeiro em sua agência para refugiados –para a qual visitou Darfur 11 anos atrás— e, nos últimos três anos, como assessor político do secretário-geral, Antonio Guterres, em Nova York, inclusive para questões relativas a direitos humanos.

Mas seu passado como "insider" contribuiu para a reação fria de organizações internacionais de direitos humanos à sua indicação. No passado, os chefes da ONU escolheram ex-chefes de governo, juristas ou diplomatas eminentes para o notoriamente difícil cargo de chefe de direitos humanos, um posto cujo ocupante precisa tratar com líderes mundiais e, ocasionalmente, repreendê-los por suas falhas em matéria de direitos humanos.

Críticos disseram que, por sua experiência e seu temperamento, Turk estava mal preparado para exercer esse papel sensível. E o fato de ele ter sido indicado por um secretário-geral da ONU visto como fraco na área dos direitos humanos alimentou o receio de que Guterres teria escolhido um diplomata discreto, alguém que seria mais propenso a compartilhar a preferência de seu chefe por diplomacia de bastidores do que a fazer uso da arma poderosa da pressão pública.

Mas o fluxo constante de declarações públicas feitas por Turk em seu primeiro mês no cargo vem dando esperança a alguns críticos. Em seu segundo dia, ele condenou os ataques etíopes a alvos civis em Tigré, qualificando-os como "completamente inaceitáveis". Quando Elon Musk adquiriu o Twitter, Turk divulgou carta aberta lembrando ao bilionário da responsabilidade de sua plataforma de "evitar a difusão de conteúdos que resultem em violações dos direitos de pessoas".

E, quando a conferência climática COP27 foi aberta no Egito, Turk atraiu a ira do governo anfitrião quando o exortou a libertar o prisioneiro político Alaa Abdel-Fattah, que fez greve de fome recentemente, além de outros presos injustamente condenados.

Há desafios maiores pela frente.

Um teste importante da eficácia de Turk será o acompanhamento que ele dará ao relatório divulgado por sua antecessora, Michelle Bachelet, minutos antes de deixar o cargo. O relatório concluiu que a China pode ter cometido crimes contra a humanidade com sua repressão a uigures e outros muçulmanos em sua região de Xinjiang.

A China fez pouco-caso do relatório, qualificando-o como um apanhado politizado de mentiras ocidentais, algo que a ONU não deveria ter publicado. Diplomatas chineses em Genebra procuraram desacreditar o relatório, dizendo que o Alto Comissariado não deu seu apoio ao texto.

Pequim talvez se decepcione com a reação de Turk. Ele disse que considera o documento importante e fruto de investigação cuidadosa. "É um relatório produzido por minha entidade, e tem meu apoio pleno. Contém recomendações fortes, e vou procurar encontrar maneiras de dialogar com as autoridades chinesas sobre a implementação delas."

Falando em termos mais gerais, Turk disse a jornalistas este mês: "Vou me manifestar quando acharmos que nossa voz poderá fazer uma diferença ou quando isso for preciso, especialmente para reforçar as vozes das vítimas ou para soar o alarme."

O ativismo de Turk não surpreende colegas que acompanharam sua carreira na agência de refugiados da ONU. Depois de participar de missões no Congo, Kosovo e Sudeste Asiático, Turk tornou-se chefe de proteção, um papel descrito por alguns como direitos humanos em ação.

"Turk é o tipo de sujeito que arregaça as mangas e põe as mãos na massa, não alguém que não sai do escritório", comenta Kirsten Young, colega de trabalho dele na ONU e amiga que já trabalhou ao lado de Turk em Kosovo e outros lugares. "Muitos dos trabalhos dos quais ele participou salvaram vidas."

Agora as ambições de Turk como alto comissário incluem a construção de uma presença de direitos humanos da ONU muito mais forte em campo e levantar muito mais dinheiro para financiar um órgão que não possui recursos suficientes para as demandas que enfrenta.

O maior desafio que Turk visualiza pela frente é recuperar um consenso global que reconhece os direitos humanos como sendo universais e fundamentais para fazer frente às questões mais prementes, incluindo a Guerra da Ucrânia e a mudança climática.

Ele combate o que considera ser a visão equivocada de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a pedra angular das proteções internacionais dos direitos humanos, adotada desde a Segunda Guerra Mundial, seria um coquetel de valores ocidentais. A deterioração dos direitos humanos, diz ele, "não pode ser o dano colateral da geopolítica e da divisão".

Tradução de Clara Allain 

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