Descrição de chapéu The New York Times China

Balão da China abatido nos EUA torna a liderança de Xi Jinping um alvo

Tensão entre Washington e Pequim geram preocupação em cenário no qual movimento errado pode desencadear conflito

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David Pierson
The New York Times

O balão chinês que sobrevoou os Estados Unidos suscitou inúmeras hipóteses sobre seu propósito real.

Mas também chamou a atenção do mundo para a perspectiva de as comunicações e o controle no regime de Xi Jinping e seu célebre aparato de segurança não serem tão coerentes —ou ainda menos funcionais— quanto sugere a imagem confiante projetada pelo líder chinês.

Os interesses em jogo são importantíssimos. As relações entre Washington e Pequim se esgarçaram, e a competição entre os dois lados se intensificou, alimentando receios de que um passo em falso possa desencadear um enfrentamento acidental entre rivais poderosos.

O dirigente da China, Xi Jinping, durante evento no Grande Salão do Povo em Pequim - Li Xueren - 20.jan.23/Xinhua

Os EUA dizem que o veículo era um "balão de espionagem de alta altitude". A China afirma que era uma aeronave civil que estava colhendo dados meteorológicos e foi desviada da rota por ventos. Quer o balão inflável tenha estado sobre os EUA por erro ou como fruto de uma manobra militar descarada, sua emergência levanta questões sobre a atuação da China em sua posição crescente de potência global.

"Têm sido especialmente prejudiciais para a China em nível internacional e doméstico os questionamentos que isso gera quanto à competência e como isso reforça dúvidas em relação à liderança de Xi Jinping", comentou Susan Shirk, ex-vice-secretária assistente de Estado durante a administração Clinton e autora de um livro recente, "Overreach: How China Derailed Its Peaceful Rise".

Não está claro até que ponto o incidente teria sido evitável, mas ocorreu num momento em que se considera que Xi se encontra no ápice de seu poder, depois de ter rompido precedentes no ano passado ao conquistar um terceiro mandato e fazer da segurança nacional uma das pedras angulares de seu governo.

Com o adiamento da viagem a Pequim do secretário de Estado Antony Blinken, Xi perdeu uma chance de resistir à pressão crescente que Washington faz sobre a China por meio de suas relações com parceiros na Ásia e as restrições à tecnologia de semicondutores chinesa. Isso teria permitido que ele dedicasse mais atenção a questões domésticas urgentes, como injetar ânimo à economia nacional enfraquecida.

O incidente do balão ocorreu após outros casos aparentes de erros de cálculo, entre os quais a reversão aleatória das medidas às vezes sufocantes da Covid zero, após protestos amplos, e depois de Xi ter acertado uma parceria "sem limites" com a Rússia semanas antes do início da invasão da Ucrânia.

"É realmente um paradoxo, porque estamos no início do terceiro mandato de Xi", acrescentou Shirk. "Ele deveria estar em um momento de alta. No entanto, vemos todo esse feedback negativo."

Agora, questões sobre os julgamentos de Xi e de seus serviços militares e de inteligência afetam negativamente as conjecturas sobre como a China lidaria com outra crise em uma situação muito mais perigosa, como uma crise no fortemente militarizado estreito de Taiwan. É um cenário ominoso, dada a grande rivalidade entre Washington e Pequim, que traz a probabilidade crescente de um confronto.

No passado, disse Shirk, o regime chinês "era capaz de se adaptar a um problema". "Ele priorizava o desenvolvimento econômico. Não tem sido esse o caso sob Xi nos últimos anos, o que significa que não é possível prever o futuro. É a razão por que todos sentimos que esta é uma situação muito mais perigosa."

Essa imprevisibilidade parece ter se estendido à resposta chinesa mais recente ao balão, derrubado no sábado por um jato militar dos EUA. Tendo inicialmente dito que lamentava o surgimento do balão, na segunda-feira a China endureceu sua posição.

O vice-chanceler Xie Feng registrou um protesto junto à embaixada dos EUA em Pequim, criticando os Estados Unidos por destruir sua aeronave e acusando Washington de reverter os avanços obtidos na melhoria das relações entre os dois países após o encontro cara a cara entre Xi e Joe Biden na Indonésia.

"A China se opõe resolutamente e protesta fortemente contra isso. Ela exorta os EUA a não adotar outras ações que prejudiquem os interesses da China e a não escalarem ou ampliarem a pressão", disse o Ministério do Exterior. Xie disse que Pequim se reserva o direito de responder conforme seja necessário.

Ignorando os protestos de Pequim, mergulhadores da Marinha americano vasculharam o mar ao largo da costa da Carolina do Sul para recuperar as peças do balão. Para a China, o voo inoportuno do balão e sua descoberta sobrevoando o território continental dos EUA sugerem uma falta de coordenação entre as Forças Armadas chinesas e outros órgãos do regime, dizem analistas.

O incidente "mostra que a coordenação de segurança nacional para prevenir incidentes como esse ainda não está funcional como precisaria estar", afirmou Drew Thompson, pesquisador sênior visitante na Escola Lee Kuan Yew da Universidade Nacional de Singapura e ex-funcionário da defesa americana.

Thompson disse que é possível que militares chineses tenham orquestrado o incidente, na medida em que poderiam se beneficiar da tensão intensificada e sustentada com os EUA. Acredita-se que balões de espionagem sejam operados pela Força de Foguetes do Exército de Libertação Popular (ELP), também responsável pelo arsenal de mísseis nucleares e convencionais. As Forças Armadas de Taiwan confirmaram no ano passado que balões avistados sobrevoando a ilha eram operados pela Força de Foguetes, mas que eles provavelmente estavam sendo usados para observações meteorológicas.

Não seria a primeira vez que o setor militar chinês pegou outros setores do regime desprevenidos. Em 2011, o ELP realizou o primeiro teste de seu novo jato furtivo J-20 horas antes de um encontro em Pequim entre o então secretário da Defesa americano Robert Gates e o então líder chinês Hu Jintao. O voo foi interpretado como esforço para prejudicar a visita, realizada para melhorar os laços. Questionado sobre o assunto por Gates, Hu, um líder menos poderoso que Xi, pareceu não ter conhecimento do teste.

Em outro incidente, em 2007, a chancelaria se negou durante dias a comentar outro teste bem-sucedido de um míssil antissatélites conduzido pela Força de Foguetes, então conhecida como Segundo Corpo de Artilharia. O silêncio na época chamou a atenção para o sigilo que envolve as Forças Armadas chinesas, que só passavam informações sobre testes dessa natureza diretamente para Hu.

Em todos os casos, a impossibilidade de perscrutar o pensamento da China, algo exacerbado pelo clima crescente de desconfiança entre Washington e Pequim, só intensificou o senso de volatilidade na relação.

"O que o incidente com o balão reforça é a completa ausência de transparência do processo decisório chinês", disse Thompson. "Não se trata de um problema do sistema deles, mas de uma de suas características fundamentais. Se os acontecimentos avançam muito rapidamente, o governo não conta com estruturas decisórias ágeis. Ele não consegue se comunicar efetivamente durante uma crise que evolui rapidamente. Isso é um mau presságio para os esforços empreendidos agora com a China."

Tradução de Clara Allain

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