Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Ucrânia perde esperança de receber caças F-16 em 2023

Pressionados, EUA voltam a prometer avião; Otan vê muitas incertezas sobre contraofensiva

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São Paulo

Em mais um dia de notícias negativas para o esforço de guerra da Ucrânia contra a invasão russa iniciada em fevereiro de 2022, a Força Aérea do país admitiu ter perdido as esperanças de receber ainda neste ano algum caça americano F-16 para reforçar suas defesas.

"Já está claro que não seremos capazes de defender a Ucrânia com caças F-16 nos próximos outono e inverno [do Hemisfério Norte]", afirmou o porta-voz da Força, Iurii Ihnat, na noite de quarta-feira (16).

Caça americano F-16 da Holanda, um dos países que poderiam fornecer o modelo a Kiev
Caça americano F-16 da Holanda, um dos países que poderiam fornecer o modelo a Kiev - Piroschka van de Wouw - 4.jul.23/Reuters

A um programa de TV local, ele disse que havia "grandes esperanças nesse avião, que iria virar parte da nossa defesa aérea, capaz de nos proteger do terrorismo de mísseis e drones da Rússia".

A frustração vem em linha com as crescentes queixas de Kiev contra a velocidade no fornecimento de material militar ocidental contra os russos, o que já foi usado pelo presidente Volodimir Zelenski como justificativa para o fato de sua contraofensiva lançada em junho não ter tido nenhum avanço importante.

Os F-16, caça mais produzido no mundo e disponível em grandes números em estoques americanos e em países europeus, havia sido prometido na prática a Kiev nos meses que antecederam a cúpula da Otan, a aliança militar liderada pelos EUA, em julho.

No encontro, foi oficializada a chamada coalizão dos caças, que iria buscar os aviões nos estoques do clube. Já o presidente americano, Joe Biden, mudou sua posição de resistência e permitiu que EUA e aliados treinassem pilotos ucranianos para operar o modelo.

Tudo muito bonito na TV, mas na prática nenhuma data foi acertada. A fala do porta-voz visa, assim, a colocar pressão sobre a Otan para pelo menos fazer um cronograma.

Deu certo, na superfície ao menos. No fim da tarde nos EUA (noite na Ucrânia), o secretário de Estado, Antony Blinken, afirmou que havia enviado cartas garantindo aos governos da Holanda e da Dinamarca, os mais interessados em repassar sua frota obsoleta de F-16, que Washington aprovaria o repasse dos aviões assim que os pilotos estivessem treinados.

O problema é que ninguém falou ainda em prazos. Treinar pilotos acostumados com uma frota de caças e aviões de ataque soviéticos requer meses.

Algumas alternativas surgiram no caminho, como a Suécia entregar alguns caças Gripen de gerações anteriores à que foi vendida para o Brasil, e a Austrália retirar modelos americanos F-18 aposentados de galpões. Mas nada andou de fato.

Sem apoio aéreo, as principais cidades ucranianas dependem da ainda bastante eficaz defesa aérea dos tempos em que integrava a União Soviética e de novos sistemas ocidentais que recebeu, como o Patriot americano e o Iris-T alemão —que teve mais duas unidades anunciadas nesta quinta.

Mas nada supre a ausência de caças em quantidade para apoio a forças em solo, e a contraofensiva pena, entre outros motivos porque encontra helicópteros de ataque russos altamente eficazes quando conseguem penetrar as linhas defensivas minadas no leste e no sul do país.

Kiev já disse querer ao menos 40 novos caças para ter alguma efetividade no campo. O país tinha 124 aviões de combate antes da guerra e, de acordo com o site de monitoramento Oryx, perdeu de forma confirmada por imagens georreferenciadas ao menos 68. Neste ano, a Polônia e a Eslováquia forneceram um número inespecífico de MiG-29 soviéticos, modelo já usado pela Ucrânia.

A reticência ocidental tem a ver com o medo de escalada do conflito, já que armas mais ofensivas podem ser usadas contra o território russo. Além do temor de um embate nuclear, há o fato de que armar Kiev é um meio relativamente barato de enfraquecer um rival, além de fazer a festa da indústria bélica.

De toda forma, essas linhas vermelhas, estabelecidas pelos EUA, foram testadas sucessivamente na guerra: primeiro foram fornecidas armas mais leves, depois vieram artilharia de precisão, mísseis, baterias antiaéreas, blindados leves e, no começo deste ano, os tanques pesados. Caças seriam a próxima etapa.

O mal-estar se soma, além da dificuldade da contraofensiva ucraniana, ao avanço das forças russas na região nordeste do país e a problemas políticos, como a demissão de recrutadores militares por corrupção na semana passada e os rumores de queda da cúpula da Defesa do país.

Há também a tensa situação no mar Negro, onde a saída de Vladimir Putin do acordo de grãos coloca em xeque as receitas de Kiev. Os russos passaram a atacar portos, e os ucranianos, a ameaçar embarcações rivais com drones aquáticos. Nesta quarta, o Ministério da Defesa russo disse que destruiu drones que tentaram atacar dois de seus navios na costa da Crimeia.

Já o primeiro navio a usar um corredor marítimo para deixar a Ucrânia chegou a águas romenas e deverá aportar na Turquia nesta sexta-feira (18) —a previsão inicial era esta quinta (17).

Mais más notícias vieram da própria Otan. Nesta quinta, o secretário-geral da entidade, o norueguês Jens Stoltenberg, afirmou que os ucranianos estão fazendo avanços na contraofensiva, "mas ainda há muitas incertezas" sobre o futuro da operação. Ele falava em uma conferência em Arendal, na Noruega, onde na terça seu chefe de gabinete, Stian Jenssen, afirmou que a Ucrânia talvez tenha de ceder território à Rússia se quiser um dia ser admitida na Otan. No dia seguinte, pediu desculpas, mas não se retratou do cenário.

A fala causou comoção em Kiev, e Stoltenberg se enrolou ao comentá-la. "Só os ucranianos podem decidir quais as condições para negociar", afirmou, repetindo o que sempre fala. "A mensagem [de Jenssen], que é a mensagem principal da Otan, é que a política da aliança não muda. Apoiamos a Ucrânia", desconversou.

As dissonâncias entre Otan e Ucrânia já haviam ficado claras na cúpula, durante a qual Zelenski irritou aliados com pedidos de um convite inequívoco de adesão ao clube militar, o que Stoltenberg disse que "teria sido ideal", mas que dependeria de "condições a serem cumpridas" —não estar em guerra para evitar arrastar todos à guerra, por exemplo. Autoridades ocidentais chamaram o ucraniano de "ingrato".

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