Argentina vota por promessa de ruptura ou continuísmo envergonhado

Deputado ultraliberal Javier Milei e ministro peronista Sergio Massa disputam 2º turno em eleição histórica

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Buenos Aires

"Um parece um louco, e o outro um mentiroso", diz nas ruas de Buenos Aires o garçom Martín Ezequiel, 38, refletindo o sentimento de indecisão de boa parte dos argentinos que vão às urnas neste domingo (19) para escolher entre o ultraliberal Javier Milei e o ministro peronista Sergio Massa. Com as eleições à porta, Ezequiel ainda não havia fechado seu voto.

Na encruzilhada entre uma promessa de ruptura profunda ou um continuísmo envergonhado diante de mais uma crise econômica, o país encerra uma corrida eleitoral histórica, com uma força política nova e repleta de reviravoltas, tensão e suspense. Isso fica claro no estado de espera que a população adotou nos últimos meses, diante de uma inflação de mais de 140% anuais e salários derretendo nas mãos.

Os candidatos a presidencia da Argentina Javier Milei e Sergio Massa entre seus respectivos eleitores
Os candidatos à Presidência da Argentina Javier Milei e Sergio Massa entre seus respectivos eleitores - Matias Baglietto/Reuters e Maximiliano Vernazza/AFP

Sem saber qual rumo o novo governo tomará e o que acontecerá a partir desta semana com o dólar paralelo, que rege os preços na Argentina, quem podia encheu o colchão ou o cofre do banco com a moeda americana. Sua venda foi paralisada na última semana, diante da incerteza e da vigilância oficial às "cuevas", como são chamadas as casas de câmbio teoricamente ilegais.

A ideia é se garantir caso haja uma desvalorização abrupta do peso a partir desta terça (21), já que segunda (20) é feriado (Dia da Soberania Nacional). Essa hipótese é mais esperada se Milei sair vencedor, já que ele tem como uma de suas principais bandeiras eleitorais a dolarização da economia e o fechamento do Banco Central.

O mercado especula dois "Mileis" para o futuro: o que ascendeu por sua radicalização e outro mais moderado, com o apoio da centro-direita do ex-presidente Mauricio Macri. O mesmo acontece com Massa, que pode optar por um giro ou seguir a linha de sua gestão como ministro da Economia de Alberto Fernández, o qual deixará a Presidência em 10 de dezembro reprovado por 80% da população.

Diante de uma corrida apertada, o homem que subirá ao pódio depende de eleitores como o garçom Martín Ezequiel, que pretendia se decidir dentro da urna. "Uma senhora me disse: a qual deles você entregaria seu filho? Ainda estou pensando", afirma ele, que tem um bebê e diz não poder votar em branco ou nulo, porque seria "lavar as mãos" diante da situação do país.

As pesquisas divulgadas até uma semana atrás, antes da vedação eleitoral, indicavam uma disputa acirrada, com leve vantagem para Milei. Enquanto ele atrai principalmente o voto irritado com o peronismo, o kirchnerismo e o que chama de "casta política" há muitos anos no poder, Massa tem a seu favor a histórica capilaridade peronista e o medo das propostas radicais do ultraliberal.

Foi uma campanha conturbada. A começar pela ascensão de uma nova força política que rompeu a polarização entre as coalizões peronista e macrista, com a rápida escalada do economista ultraliberal. Antes professor universitário e funcionário da iniciativa privada, ele viralizou como comentarista de TV, foi eleito deputado nacional em 2021 e já começou a buscar votos à Presidência.

O outro lado ainda demorou mais de um ano para escolher seu candidato e o fez literalmente no último momento, num anúncio surpreendente às vésperas do fechamento das listas no país. Em vez de ter uma disputa interna, optou pelo centrista e político de carreira Massa, em decisão que hoje parece acertada, considerando sua competitividade mesmo com a economia em frangalhos.

A essa altura, todos os caciques que dominaram a política argentina nos últimos 15 anos já haviam se retirado da corrida, incluindo Macri, a atual vice Cristina Kirchner e o próprio Alberto Fernández, que se esconderam diante de uma rejeição geral.

A grande provação das escolhas então seriam as eleições primárias, em agosto, que decidiram por Patricia Bullrich como candidata da coalizão da centro-direita Juntos pela Mudança e serviram como grande termômetro do eleitorado. Apesar de quase todas as pesquisas indicarem uma desidratação de Milei na reta final da votação, o "outsider" saiu vitorioso e mudou o curso da eleição.

Ele Inflou seus discursos e se tornou o centro das atenções, contra uma Bullrich enfraquecida em terceiro lugar e um Massa que reagiu com uma série de benefícios sociais para aliviar o bolso do eleitor e a contratação de uma equipe de publicitários brasileiros que trabalhou nas campanhas presidenciais de Fernando Haddad e Lula (PT) contra Jair Bolsonaro (PL).

Massa, então, levou a cabo uma campanha de medo contra os cortes estatais e discursos inflamados proferidos por Milei —que incluíram ofensas até ao papa Francisco. O peronista conseguiu reverter o cenário e saiu na frente no primeiro turno por 36,7% a 30%, mais uma vez contrariando as pesquisas que previam uma superioridade do rival.

Veio o segundo grande giro da campanha. Milei passou boa parte do tempo tentando se mostrar moderado, rebater as acusações do adversário e convencer o eleitor de que não cortará subsídios nem privatizará a educação e a saúde, como já defendeu no passado. "Medo do quê? Do que já não temos?" é a linha geral de seu discurso.

O apoio de Bullrich e Macri ao ultraliberal causou um racha na oposição. Eles resolveram esquecer os insultos, que não foram poucos, e se envolveram diretamente na campanha. A grande dúvida é o quanto os votos antikirchneristas dela poderão ajudar ou não o ultraliberal neste domingo.

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