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Ivan Sartori

A Lei de Segurança Nacional deve ser substituída por outra legislação? NÃO

Deve existir, porém sem dar margem a uma incidência seletiva e ditatorial

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Ivan Sartori

Desembargador aposentado, mestre em direito da saúde e professor universitário, é ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo

Sancionada em 1983, no governo do general João Figueiredo, a Lei de Segurança Nacional (LSN) voltou a ser debatida e amplamente questionada em razão dos episódios recentes envolvendo o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e o youtuber Felipe Neto.

Embora completamente distintos, ambos chamaram a atenção por terem sido invocadas, em desfavor dos increpados, as tipificações penais desse diploma. Em razão do fatídico vídeo de Silveira, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, ordenou sua prisão em flagrante.

Sem se aprofundar no estudo da ordem prisional, discutíveis, por certo, a caracterização do flagrante e a prática de crime inafiançável. Mesmo assim, os ministros do Supremo, ato contínuo, endossaram, de forma unânime, a decisão do colega, o que foi referendado pela Câmara dos Deputados.

O deputado segue em prisão domiciliar, cerceado em seus direitos políticos e de expressão. Aí que entra em cena a LSN, pois Moraes fez menção à prática dos delitos previstos no artigo 22, o qual define como crime “fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social”; e no artigo 23, que define como crime “incitar à subversão da ordem política ou social”.

O ministro citou, ainda, os artigos 17 (“tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito”) e 18 (“tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos estados”).

Em relação a Felipe Neto, que, em suas redes sociais, chamou o presidente Jair Bolsonaro de “genocida”, adveio sua intimação para depor na Polícia Civil do Rio de Janeiro, por infringência ao artigo 26 da LSN, que qualifica como crime “caluniar ou difamar o presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do STF”. Posteriormente, a Justiça entendeu que a competência para a apuração dos fatos caberia à Polícia Federal, resultando cancelada a intimação.

Os enquadramentos referidos, em uma lei esparsa editada há cerca de 38 anos, suscitaram relevante debate sobre ela. Inquestionável a necessidade legal da delimitação dos aspectos basilares que incidem sobre a necessidade de resguardar a segurança institucional e a soberania do país. E os casos aqui referidos —bem diferentes entre si, pois o enquadramento de Felipe Neto se dá em face de dispositivo claro, objetivo, direto —demonstram que a Lei de Segurança Nacional carece sim de uma imediata revisão de conteúdo.

Ainda que os fatos envolvendo o deputado e o influenciador digital mereçam reação de ordem penal, certo é que essa lei, em alguns de seus dispositivos, de baixa densidade normativa, mormente aqueles colacionados na decisão de Moraes, pode dar margem a utilizações não republicanas ou mesmo servir como instrumento de perseguição política ou ideológica.

Está mais do que na hora de promover sua atualização, para conferir-se ao texto um aspecto consentâneo com a realidade e princípios atuais. Justamente pela possibilidade de aplicação arbitrária é que se pode até questionar se esse diploma (ou alguns de seus dispositivos) foi mesmo recepcionado pela Constituição Federal de 1988. De todo modo, trata-se de legislação técnica e necessária aos interesses do país. Porém, ela deve existir sem dar margem à incidência seletiva e ditatorial.

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