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Rosa Mina Sakamoto

Não tem sido fácil ler a Folha

Depois de tanta luta, pergunto: como chegamos a esta situação caótica?

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Rosa Mina Sakamoto

Pedagoga e professora aposentada de português e inglês, é assinante da Folha há 50 anos

Peço calma a todos para poder explicar o título deste artigo!

Curto muito iniciar o meu dia lendo o jornal, ao lado do meu marido, enquanto degustamos o café da manhã e aproveitamos o sol que inunda, sem cerimônia, o nosso terraço. Nada como poder aliar saúde física e mental ao prazer da leitura. Este luxo, entretanto, é relativamente recente, pois só foi adquirido depois que me aposentei.

Embora a Folha já estivesse presente em minha vida desde pequena, só passei a assiná-la há 50 anos, já casada, ao mudar-me para Cotia (SP), na Granja Viana, numa casa maravilhosa em meio a muitas árvores, plantas, pássaros, ar puro, cachorros e galinhas. Lecionava em uma escola na capital paulista, também maravilhosa, com uma proposta pedagógica moderna e progressista.

No trabalho em sala de aula, além do livro didático, utilizei muitos outros recursos, como revistas, gibis e jornais, de preferência de diferentes espectros políticos. A Folha sempre esteve presente nas escolas, em diversas atividades, como fonte de pesquisa de conteúdos relacionados à arte, história, geografia, esportes, política, economia e lazer, além de enriquecer o estudo —como um livro sempre atualizado que mostra o mundo em movimento e produção. É um material dinâmico: inter, multi e ​transdisciplinar!

Mas, voltando aos anos iniciais da minha relação com a Folha, nessa época a minha vida era um turbilhão. Tive quatro filhos, despertava com as galinhas e tomava o café da manhã correndo antes de ir para o trabalho. Muitas aulas, leituras do jornal interrompidas (“leio depois”), correção de provas e trabalhos, levar as crianças a médicos, dentistas, ortodontistas e outros “istas”. Aí conseguia ler mais uma parte do jornal, preparava as aulas, contava histórias para as crianças antes de dormir e fechava as médias (“nossa, como este artigo é bom!”). No fim do dia, banho nos filhos e servir o jantar (“opa, vou ler esta notícia política, que é importante!”). E assim foi por muitos anos.

Acompanhei pelos jornais períodos de grandes mudanças no Brasil, como os anos de chumbo, a fase pós-ditadura e o movimento Diretas Já, denunciando os desmandos do governo militar e a gravíssima crise econômica; a luta para reerguer a democracia; as eleições após 29 anos desde o último presidente eleito democraticamente; e a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, marco do processo civilizatório brasileiro, assegurando a liberdade de pensamento e as garantias de direitos trabalhistas, humanos e de posse de terra às populações indígenas e quilombolas, entre tantos outros direitos civis, políticos e sociais.

Corte para 2018. Depois de tanta luta, pergunto: como chegamos a esta situação caótica? Cada uma das garantias sendo violadas e destruídas uma a uma. O que fazer? Atordoados e incrédulos, temos que acompanhar no jornal os retrocessos, as censuras, as imbecilidades ditas e feitas por um ser inominável e seu séquito —e ainda ter que ver sua enorme foto nas páginas de capa! Hoje centenas de milhares de mortes nos tiram o sono pelo descaso com que vidas são tratadas. É de deixar qualquer pessoa insana.

Entretanto, se viver, ler e “ver” não está fácil, nem imagino o que seja investigar, entrevistar e escrever sobre. Viver e trabalhar com seriedade e ética, desvelando a verdade, combatendo a censura e a ignorância, são tarefas para os fortes. Por isso, parabéns pelos 100 anos, Folha!

Que vocês tenham força e resistência para continuar a fazer um trabalho jornalístico de qualidade cada vez melhor. Obrigada!

TENDÊNCIAS / DEBATES
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