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Bruna Brelaz, Rozana Barroso e Flávia Calé

A lei da meia-entrada para eventos culturais deve acabar? NÃO

Modelo colabora na construção da cidadania e reduz desigualdades de acesso

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Bruna Brelaz, Rozana Barroso e Flávia Calé

Respectivamente, presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e da ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos)

O projeto de lei 300/2020, que pretendia acabar com o benefício da meia-entrada para estudantes, idosos, professores e pessoas com deficiência —um universo de 20 milhões de paulistas—, foi corretamente vetado pelo governo de São Paulo.

A votação na Assembleia Legislativa ocorreu da forma açodada, sem qualquer debate com a sociedade. A matéria foi apreciada através de um artifício legislativo utilizado para deliberar sobre temas consensuais, o que não é o caso. Uma lei que acaba com uma política pública vigente há quase três décadas não pode ser aprovada na base da malandragem de um parlamentar.

A proposta estenderia o pagamento de meia-entrada para pessoas entre 0 e 99 anos de idade em cinemas, teatros, eventos esportivos, culturais e de lazer no estado de São Paulo. No caso, se a meia-entrada fosse para todos, ela não seria para ninguém, como admitiu o autor, deputado Arthur do Val (Patriota), ao escrever ironicamente "metade do dobro" do valor na justificativa do PL.

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Fila em cinema de São Paulo - Gabriel Cabral - 18.fev.20/Folhapress

Um falso argumento da proposta é o de combate a supostos privilégios. Basta analisar a quem cabe o direito à meia-entrada para desconstruir a tese: 73% das matrículas do ensino básico estão nas escolas públicas; no ensino superior, 1,7 milhão de estudantes estão na rede privada, representando 84% do total —a grande maioria de estudantes trabalhadores, cursando no período noturno; o salário-base de um professor da rede pública é menor do que R$ 3.000; o valor médio das aposentadorias do INSS não chega a R$ 1.700. Quem são os privilegiados?

É vasta a experiência brasileira em leis que se tornaram referenciais para que se ultrapasse da igualdade formal para a real, como o Estatuto da Juventude (lei 12.852); o Estatuto do Idoso (lei 10.741/03); a lei 8.112/90, que garante cota para pessoas com deficiência em concursos públicos; a lei 12.990/14, da reserva de vagas para estudantes negros em universidades públicas; e outras, como a lei 12.933/13, que disciplina a meia-entrada em nível nacional.

Ela busca incentivar o acesso aos bens culturais, esportivos e de lazer, cuja apropriação é extremamente desigual no Brasil, fato agravado pela pandemia de Covid-19. Ou alguém acredita que a meritocracia vai dar condições de acesso à sala de cinema ao filho de uma família que está na fila do osso no açougue?

A meia-entrada promove um ciclo virtuoso. O acesso à cultura e ao esporte cumpre enorme papel no combate à evasão escolar, pois são partes complementares na formação dos indivíduos.
A lei 12.933/13 prevê mecanismos de ajuste e planejamento na construção de preços, através da cota máxima de 40% de ingressos disponíveis à meia-entrada, o que garante ao promotor do evento o direito de vendê-las apenas até atingir este percentual.

O Brasil possui uma lei de meia-entrada equilibrada e moderna, que foi resultado de mais de dez anos de debates pelo Congresso Nacional, com envolvimento de estudantes, empresários e artistas.

O sistema de identificação estudantil traz confiabilidade através da emissão do documento em gráfica de segurança e do sistema de certificação digital. Vale destacar que a emissão não é centralizada em entidades nacionais, mas envolve milhares de entidades estudantis, garantindo pluralidade de representação.

A meia-entrada é uma política de êxito comprovado, que tem colaborado na construção da cidadania, razão pela qual merece ser defendida pelo poder público e por toda a sociedade.

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