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Moisés Nascimento

Afrofuturismo é caminho para inclusão tecnológica

Algoritmos priorizam brancos, e negros ficam à margem da transformação digital

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Moisés Nascimento

Diretor de Tecnologia e líder da área de dados do Itaú Unibanco

A população adulta negra brasileira cresceu em meio ao mito da democracia racial, um período de negação em relação ao racismo e de escassez de referências afro, especialmente relacionadas à tecnologia e ao futuro. Ainda hoje, o apagamento e embranquecimento da história negra dificultam a construção de referências locais. Negros ainda estão associados a profissões menos valorizadas, e isso acontece tanto nas empresas quanto na ficção científica —com a notável exceção de "Pantera Negra" e outras produções similares. Uma violência passada e presente que dificulta a construção de uma realidade inclusiva.

Só muito recentemente o afrofuturismo —movimento estético, social e cultural que busca inserir a negritude na tecnologia e no futuro— passou a ser abordado na nossa realidade. Diferentemente dos EUA, onde houve uma segregação clara e formalizada, o Brasil sofreu com uma miscigenação precoce e forçada, que atrasou o estabelecimento de raízes e a luta por reconhecimento.

Assim como em outros setores da sociedade, o racismo também tem extremo impacto na tecnologia. Em um cenário com profissionais predominantemente brancos, o desenvolvimento de soluções igualitárias pode ser prejudicado. E em uma sociedade diversa como a nossa —o país mais negro do planeta fora do continente africano—, algoritmos que priorizam pessoas brancas dificultam o relacionamento da população com tecnologias que estão criando o futuro, deixando-nos em uma posição de desvantagem no cenário de transformação digital.

Sem negros na tecnologia —e em posições de liderança— não se contempla sua ancestralidade, vivência e perspectiva. Hoje já sabemos que a tecnologia vem dos povos ancestrais, da África. Um império negro, no Egito, produziu por milênios inovações em diversos campos, exportados depois para Grécia e Roma. Há mãos negras na história de toda a humanidade.

Ter uma tecnologia que prioriza rostos e referências brancas é um reflexo deste apagamento ao longo dos milênios. Na matemática, base para o desenvolvimento da maior parte das tecnologias atuais, utilizamos o termo classe para a definição de viés, um limite no espaço de possibilidades, uma fronteira, como se fosse um muro; uma limitação para enxergar além. O mesmo acontece em nossas mentes: nossos preconceitos —às vezes inconscientes circunscritos em vieses, também limitam e criam muros. Na matemática, há solução; mas como mapear isso nas mentes das pessoas? Libertar-se do viés significa ir além de uma fronteira muito específica, relacionado a como as pessoas foram educadas e criadas —o que foi imposto a elas sem que pudessem perceber conscientemente.

Na minha jornada de 14 anos no Vale do Silício, tive o privilégio de estar em um ambiente de maior mobilidade social e tecnicamente diverso. Uma vivência que teve um impacto muito positivo em minha sensação de pertencimento no mundo da tecnologia, no empoderamento da minha capacidade de ser um agente transformador neste setor.

Felizmente, estamos dando passos nesse sentido no Brasil, dentro e fora da tecnologia. As novas gerações já saberão que Machado de Assis, o mais celebrado escritor brasileiro, era negro. E que o embranquecimento de sua figura impediu que pessoas como eu o vissem como referência de brilhantismo intelectual. E isso abre mais espaço para quem já atua em busca da força ancestral africana no contexto brasileiro, como vem fazendo Elza Soares em sua carreira —em especial em seu clipe "Mulher do Fim do Mundo".

Como líder na área de transformação digital, tenho atuado de fato na mudança dessa realidade
—um compromisso desde que assumi uma posição estratégica no Itaú Unibanco. Essa responsabilidade precisa ser de todos, especialmente das pessoas brancas, que dominam os espaços de poder. Precisamos que a tecnologia contemple nossa realidade, resgate nossa ancestralidade e reverta esse embranquecimento. Isso é essencial para a transformação digital do nosso país, tendo o afrofuturismo como uma das forças centrais de inovação.

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