Descrição de chapéu
Isabel Gnaccarini

O papa e a COP26

Aliança entre religião e ciência pode trazer às mãos a consciência da política

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Isabel Gnaccarini

Jornalista e doutoranda em ambiente e sociedade pelo Nepam/IFCH - Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Neste ano, o Reino Unido e a Itália foram parceiros na realização dos encontros mundiais de líderes políticos —reuniram-se mais uma vez na cúpula do G20 (de 29 a 31 de outubro), em Roma, e na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, os chamados "80% do PIB do planeta".

A proximidade temporal fez do G20 uma antessala para a COP26, que se iniciou em seguida com a tão necessária alavanca do Acordo de Paris (COP21). Mas seu encerramento, no último sábado (13), indica que as metas mais ambiciosas contra desmatamento e emissões de gás metano, ou o dinheiro para a adaptação de países mais pobres e vulneráveis, não se refletirão em ações transformadoras. Apesar de alguns avanços do pacto climático de Glasgow, mais uma vez não ficou acertado como e quando os verdadeiros protagonistas do encontro do clima —​indígenas, negros e jovens— irão receber os aportes e meios para barrar a perceptível crise ambiental.

O papa Francisco cumprimenta o o patriarca ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu 1º, na conferência "Fé e Ciência: Rumo à COP26", no Vaticano - Vatican Media - 4.out.21/AFP

Desde Roma, as pressões da sociedade civil vinham reverberando os debates entre os poderosos do G20 sobre a saúde pública (Covid-19) e o ambiente e desenvolvimento sustentável. O grande consenso foi que a mobilização nas ruas e fóruns paralelos aos encontros fechados de negociadores governamentais foi forte. Ficou claro que os grupos organizados da sociedade sabem falar a língua da política. E todos vimos a jovem indígena Txai Suruí, a única brasileira a discursar na abertura da COP26. O que faltou iluminar foi que, ao lado dessa potência popular, ecoou também a voz do papa Francisco, que fez sua parte como o único estadista em atividade após a saída da primeira-ministra Angela Merkel do comando da política alemã.

Bem antes, no início de outubro (4), o papa organizou uma cerimônia para entregar ao presidente da COP26, o britânico Alok Sharma, e ao ministro das Relações Exteriores da Itália, Luigi Di Maio, uma carta de três páginas contendo o melhor do conhecimento em ciência sobre o clima em diálogo com a sabedoria milenar das religiões.

No Vaticano, o encontro "Fé e Ciência: Rumo à COP26​" reuniu cientistas internacionais e líderes espirituais de várias religiões do mundo para assinarem texto redigido em conjunto ao longo deste ano. Foi o momento de representantes ecumênicos, como o grão imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, o patriarca ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu 1º, e o rabino Noam Marans, chefe da Comissão Judaica Internacional para as Consultas Inter-religiosas, ecoarem o pedido do pontífice católico por "respostas urgentes e eficazes".

Em discurso na COP26, Txai Suruí lembrou de amigo e familiares que morreram no último ano - AFP

Nada mais justo que se apele aos governantes membros da ONU, pois representam cerca de 60% da população planetária. É preciso que tenham consciência de seu papel e poder. Mas nada mais potente que o clamor de guias religiosos capazes de vocalizar a emergência ambiental de modo a promover as mudanças comportamentais desenhadas pelo ativismo político.

Conforme dados do Pew Research Center, centro de pesquisas em demografia e dados de religião, cerca de 84% da população mundial professa alguma religião. O estudo "O Futuro das Religiões no Mundo: projeções 2010-2050" indica ainda o crescimento de fiéis —serão 2,92 bilhões de cristãos (católicos e protestantes, em maioria) em 2050 (contra os 2,17 bilhões em 2010), sem contar que o número de muçulmanos dobrará, alcançando 2,76 bilhões (em vez do 1,6 bilhão que havia em 2010). Francisco enfatiza que "o compromisso de cada pessoa de cuidar dos outros e do meio ambiente é fundamental", mas sabe que "não podemos agir sozinhos". Uma verdadeira mudança de rumos "também deve ser alimentada pela fé e espiritualidade", a ser continuamente alimentada pelo amor entre a humanidade.

A COP26 poderia ter feito história como decisiva em detalhar mecanismos de ação conjunta para limitar o aquecimento global a 1,5ºC até 2050, em relação aos níveis pré-industriais. E, se bem que o mais recente relatório (AR6) dos especialistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) tenha constatado que as mudanças são alarmantes, e as metas do Acordo de Paris já se revelem insuficientes, nada pode ser mais sinérgico que uma nova aliança entre religião e ciência para trazer às mãos a consciência da política.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.​

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.