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Maílson da Nóbrega

Ainda o calote da PEC dos Precatórios

Em cinco anos, a bola de neve pode acumular perto de R$ 500 bilhões

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Maílson da Nóbrega

Ex-ministro da Fazenda (1988-1990, governo Sarney) e sócio da Tendências Consultoria Integrada

Encontram-se sob exame do Supremo Tribunal Federal duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) sobre as emendas constitucionais 113 e 114, ambas de 2021. O autor de uma delas é o PDT; a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e outros movem a segunda.

As duas emendas ficaram conhecidas como PEC do Calote. Patrocinadas pelo Executivo, elas suspenderam parcialmente o pagamento de precatórios, que são obrigações líquidas e certas da União, reconhecidas judicialmente por tribunais superiores. Estabeleceu-se um limite a ser pago em 2022, de cerca de R$ 40 bilhões, equivalente ao valor quitado no exercício anterior. O restante será pago a perder de vista.

O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega

Ações semelhantes ocorreram contra as emendas 30 e 62, de 2000 e 2009, respectivamente. Ambas foram consideradas inconstitucionais pelo STF, eis que violavam direitos admitidos como incontestáveis. Em todos esses casos, precatórios foram considerados obrigações de segunda categoria, sujeitos a suspensão unilateral. Ao contrário, todavia, eles incorporam a mesma relevância dos títulos públicos federais, pois o devedor é o mesmo: o Tesouro Nacional.

O governo utilizou argumentos improcedentes para defender a barbaridade. Primeiro, o de que o valor (R$ 89 bilhões) seria um "meteoro" que teria surpreendido o Tesouro. O ex-ministro Henrique Meirelles provou que a tese era falsa. Meteoros têm trajetória conhecida anos antes de cair na Terra. A equipe econômica é regularmente informada sobre as respectivas decisões judiciais. Não havia como alegar surpresa.

O segundo argumento foi o da ausência de espaço no teto de gastos para abrigar aquela quantia. O próprio governo o desmentiu. Desde a aprovação da PEC do Calote, o Ministério da Economia apoiou a aprovação de despesas adicionais de cerca de R$ 300 bilhões, compreendendo triplicação do valor do Auxílio Brasil, duplicação do vale gás, aumento do Fundo Eleitoral, subsídios para taxistas e caminhoneiros e por aí afora. Uma manobra mudou o período de cálculo do teto com o objetivo de abrir espaço para acolher despesas de cunho eleitoreiro, grande parte fora do mesmo teto.

O limite para o pagamento anual dos precatórios, de cerca de R$ 40 bilhões, transfere o restante para exercícios seguintes. Em cinco anos, a bola de neve pode acumular perto de R$ 500 bilhões. Caso o STF acolha as Adins, o governo colherá o problemão que plantou. Terá de socorrer-se do Congresso para encontrar uma forma de acomodar os pagamentos em atraso. O teto de gastos, já desmoralizado, irá para o espaço de vez, privando o país do mínimo de estabilidade fiscal. O desequilíbrio orçamentário nos colocaria de volta no inferno da inflação alta e sem controle.

Para evitar a volta do processo hiperinflacionário, uma emenda constitucional será aprovada às pressas, o que não parece constituir um grande desafio, a julgar pelas muitas e recentes emendas que feriram o teto de gastos. O valor dos precatórios seria excluído desse limite ou de outra regra fiscal que estiver então vigente.

Nada disso precisaria ter acontecido se essa mesma medida tivesse sido adotada em 2021, quando se discutia a PEC do Calote. O deputado federal Marcelo Ramos (PSD-AM) apresentou uma proposta pela qual defendia exatamente o mesmo tratamento para os precatórios, ou seja, excluí-los do cálculo do teto.

A justificativa, inteiramente procedente, era a ausência de meios para controlar as respectivas obrigações.
De fato, é assim que diz a emenda constitucional 95, de 2016, a do teto, que exclui os gastos associados às atividades da Justiça Eleitoral. Não teria havido o calote, não se teria assistido ao aumento da percepção de risco do país e não se teria violentado uma regra sagrada em sistemas capitalistas dignos desse nome, qual seja a da preservação de direitos de propriedade (o da titularidade dos precatórios). Que fique a lição.

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