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Adriano Gianturco e Adriano Cerqueira

200 anos de secessão

Chegou a hora de entendermos melhor a nossa história e fazermos as pazes com ela

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Adriano Gianturco

Cientista político, professor e coordenador de Relações Internacionais do Ibmec-BH

Adriano Cerqueira

Cientista político e professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH

Este 7 de Setembro de 2022 marca os 200 anos da separação do Brasil de Portugal. Mais que independência, foi secessão. Secessão é um subconjunto de independência, é um caso particular, mais específico.

Quem fez a Independência brasileira não foram os povos nativos contra os colonizadores, foram os mesmos colonizadores que se separaram da madre pátria, diferentemente dos países africanos, onde os nativos retomaram as rédeas dos próprios países em movimentos independentistas contra os colonizadores. Foi um movimento de uma parte da elite política, mais que um levante popular. Nos EUA, também não foram os nativos que fizeram a independência, mas os mesmos colonizadores contra a Coroa britânica. Foi uma secessão, como aqui. Já o caso da África do Sul, por exemplo, é emblemático, pois lá os nativos não conseguiram tomar o poder, e os conflitos se alastram até hoje.

Antes de ser conquistado por Portugal, o Brasil não era um país único com uma população homogênea que vivia em um território unido politicamente —era um conjunto de povos diversos e separados, com vários episódios de conflitos entre eles. O país, como o conhecemos hoje, foi criado por Portugal. A língua que se fala hoje, por exemplo, ainda é a portuguesa. No momento da Independência, O Brasil já não era nem mais colônia, era parte integrante do "Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves" (desde 1815).

Havia já uma incipiente Corte Real no Rio de Janeiro. Quem deu "o grito de Ipiranga" foi o príncipe real dom Pedro de Alcântara (mais tarde conhecido como dom Pedro 1º), filho do rei de Portugal e ali nascido. A reação do governo português foi a de não reconhecer a separação e acusar os líderes rebeldes de separatistas. Foi apenas em 1825 que Portugal reconheceu a separação brasileira, por meio do "Tratado de Amizade e Aliança", e o Brasil se comprometeu, inclusive, a pagar uma considerável indenização ao Reino de Portugal e Algarves.

A "independência" brasileira foi relativamente pacífica (em comparação a outros movimentos separatistas), não constituiu uma República, como na grande maioria do continente americano, mas um regime monárquico com uma família real descendente da família real portuguesa. Em parte, isso também explica o fato de a América portuguesa ter se mantido territorialmente unida (ao contrário da América espanhola, que se fragmentou em vários Estados nacionais).

Sucessivamente ocorreram várias revoltas que poderiam resultar na fragmentação territorial brasileira (Sabinada, Conferência de Equador, Revolta Pernambucana, Farroupilha, Canudos, etc.), mas foram todas contidas pelo estado imperial brasileiro que conseguiu, assim, manter o território unido, com exceção da Província Cisplatina, que se separou do Brasil (uma típica secessão) e virou o Uruguai.

O principal motivo do sucesso para conter as pressões separatistas foi a presença de instituições nacionais, como o governo central, uma força militar central (Exército Imperial) e um Parlamento nacional bicameral (Assembleia Geral Legislativa). Conjuntamente, essas instituições conseguiram debelar as pressões separatistas por meio da coação do governo central, da coerção da força militar central e por meio da cooptação, após negociações da Assembleia Geral Legislativa com as elites regionais revoltadas. O legado desse período se repercute até os dias atuais, pois a Constituição brasileira proíbe a secessão.

O Brasil não foi o único país a ter surgido a partir de uma secessão: EUA (1776); Bélgica (1830); Noruega (1915); Finlândia (1917); vários países eslavos e bálticos; mais recentemente Timor Leste (2002) e Kosovo (2008); Sudão do sul (2011), entre outros. A secessão brasileira foi relativamente pacífica, em um território que já não mais era colônia, e foi organizada pelos descendentes dos mesmos colonizadores (não pelos nativos). Uma secessão que deu origem a um regime monárquico, sendo rei um membro direto da família dinástica portuguesa!

Passados 200 anos, chegou a hora de entendermos melhor a história e fazermos as pazes com ela.

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