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Fernando Luiz Carvalho Dantas

A Justiça Militar deve ser extinta? NÃO

Julgador tem lentes adequadas para compreender a atividade desempenhada

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Fernando Luiz Carvalho Dantas

Advogado, atua no direito militar e é mestre em direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB)

A recente absolvição de um policial militar que pisou no pescoço de uma mulher negra na periferia de São Paulo reacendeu discussões sobre a pertinência da Justiça Militar e de sua competência para julgar crimes cometidos contra civis.

É preciso observar que a comoção popular, sozinha, não pode servir de alicerce para implodir bases fixadas pela Constituição Cidadã, que estabelece os órgãos, a composição e a competência da Justiça castrense. A Constituinte considerou as peculiaridades das atividades militares ao assegurar jurisdição especial para quem as desempenha, orientada por regras e princípios jurídicos aliados às diretrizes da hierarquia e da disciplina.

Policial pisa no pescoço de mulher negra e arrasta a vítima
Policial militar pisa no pescoço de mulher negra durante abordagem na zona sul de São Paulo; agente foi absolvido pela Justiça Militar - Reprodução - mai.2020/Twitter

O casuísmo da extinção ou retirada de competências contraria também os bons resultados que o ramo castrense do Judiciário tem apresentado, como o desfecho mais célere dos casos —que se deve, em parte, à especialidade e à restrição de competência, focada em matéria criminal envolvendo militares no exercício da função. Vale lembrar que outros países mantêm estruturas jurisdicionais especializadas equivalentes à nossa —casos de Estados Unidos, Espanha, Chile e Turquia.

Outra razão é a sobrecarga do sistema judicial comum, que aumentaria ainda mais a partir da extinção do braço militar. Números amplamente divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) comprovam a altíssima quantidade de processos, colocando os juízes brasileiros entre os mais demandados do mundo, muitas vezes sem contar com recursos materiais e humanos para fazer frente ao acervo. Por todo o país, por exemplo, há cargos vagos de magistrados.

Aprimorar qualquer das instituições da República demanda um esforço contínuo que a Justiça Militar vem executando. Frequentemente, no entanto, esse trabalho é desconhecido pela opinião pública por motivos como a falta de comunicação proativa dos tribunais castrenses com a sociedade e preconceitos consolidados em torno da caserna. O sargento envolvido em tráfico internacional de drogas, por exemplo, foi expulso da Força Aérea em um processo breve e que observou o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.

Vivemos um contexto em que militares têm interação tensionada com cidadãs e cidadãos em função, entre outros motivos, da criminalidade que se espraia nas áreas urbanas e, infelizmente, também é alimentada por uma minoria de membros de órgãos militares. Justamente para alcançar respostas rápidas e eficientes na reprimenda desses desvios é que se legou às cortes militares a competência de processar, julgar e, eventualmente, expurgar das corporações os que infringem a lei, sob a premissa de que o julgador tem as lentes adequadas para compreender a natureza específica da atividade desempenhada pelo jurisdicionado.

A jurisdição é atividade que comporta a possibilidade de equívocos nas decisões, ocasionando a sensação de injustiça. A Justiça Militar não está imune a isso. Para corrigir tais erros, existem mecanismos recursais, além da publicização dos julgamentos e de seus fundamentos.

Por fim, a Justiça Militar não é imune a aprimoramentos e poderia até mesmo abarcar outras competências para desafogar a Justiça Federal, como processar e julgar as causas cíveis relacionadas à caserna que são elencadas no inciso décimo do parágrafo terceiro do artigo 142 da Constituição. Não é solapando as instituições, no entanto, que teremos melhor sorte enquanto sociedade ou que obteremos respostas adequadas às necessidades do Brasil.

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