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Daniel Sarmento e Gabriel Sampaio

A Justiça Militar deve ser extinta? SIM

Tendência é favorecer interesses militares em detrimento dos direitos da população civil

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Daniel Sarmento

Advogado, é professor titular de direito constitucional da Uerj

Gabriel Sampaio

Advogado, é coordenador de litígio estratégico e do Programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas Direitos Humanos

A Justiça Militar é uma instituição anacrônica, corporativista e antidemocrática. Vimos um triste exemplo do seu funcionamento há poucos dias, quando a Justiça Militar do Estado de São Paulo absolveu um policial militar que fora filmado pisando no pescoço de uma mulher negra. O julgamento, que gerou justificada revolta, foi feito por quatro oficiais da PM e um juiz civil.

Uma das características mais marcantes desse ramo do Poder Judiciário é a sua composição, em que predominam militares em atividade. Na Justiça Militar da União, por exemplo, o tribunal de cúpula é o Superior Tribunal Militar, composto por dez oficiais generais das Forças Armadas e por cinco ministros civis.

Policial pisa no pescoço de mulher negra e arrasta a vítima
Policial militar pisa no pescoço de mulher negra durante abordagem na zona sul de São Paulo; agente foi absolvido pela Justiça Militar - Reprodução - mai.2020/Twitter

A Justiça Militar brasileira não julga apenas questões internas das Forças Armadas e das corporações militares estaduais. Dentre as suas competências está também o julgamento de delitos cometidos por militares que envolvam violações a direitos humanos de civis, bem como o julgamento de civis acusados pela prática de crimes militares.

A experiência tem demonstrado que a Justiça Militar costuma ser leniente e corporativista quando julga militares por crimes relacionados à violação de direitos humanos, mas tende a ser desproporcionalmente dura quando os réus são civis acusados pela prática de delitos militares —como desacato, desobediência ou resistência a militares envolvidos em atividades de segurança pública.

As razões para a adoção dessa postura não são difíceis de compreender. Os juízes militares tiveram longas carreiras no meio castrense, nas quais aprenderam a colocar em primeiro plano os interesses e a imagem das instituições militares, acima dos direitos dos civis. A imensa maioria deles não tem nenhuma formação jurídica, que não é exigida para que atuem na Justiça Militar. Assim, é muito previsível a sua tendência a favorecer interesses militares em detrimento dos direitos da população civil.

No Estado democrático de Direito, os órgãos militares devem ser subordinados e controlados pelo poder civil, não o contrário. A distorção dessa lógica é nítida no funcionamento da Justiça Militar, que, comandada por militares, julga questões tipicamente civis, inclusive graves violações de direitos humanos. Essas competências estão na contramão da tendência global nos países democráticos, além de contrariarem frontalmente o direito internacional dos direitos humanos.

Existe orientação pacífica de instituições como a ONU, a Corte Europeia de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos —a cuja jurisdição o Brasil se submete—, no sentido de que, nos países em que for mantida, a Justiça Militar pode apenas julgar questões internas das instituições militares, e nunca civis, ou crimes praticados por militares contra os direitos fundamentais da população civil. Esses temas se encontram atualmente em debate no Supremo Tribunal Federal.

De outro lado, não é incompatível com a democracia a atuação da Justiça Militar no campo restrito das questões internas das corporações militares, que não envolvam direitos de civis. Aqui, porém, coloca-se a questão da relação entre custo e benefício. Em 2021, por exemplo, apenas a manutenção da Justiça Militar da União, que julga poucos processos e conta com estrutura altamente suntuosa, custou quase R$ 600 milhões. Será que vale à pena manter um sistema de Justiça tão caro para julgar uns poucos crimes relativos a questões internas das instituições militares? Entendemos que não.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/09/pm-pisou-no-pescoco-de-mulher-negra-por-desgaste-fisico-e-emocional-dizem-oficiais.shtml

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