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Erick Araujo da Silva, Lara Santos e Heloisa Toledo

A santificação do estágio em escritórios de advocacia

Etapa deve ser opção, mas não uma via crucis para os estudantes de direito

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Erick Araujo da Silva, Lara Santos e Heloisa Toledo

Estudantes de direito da USP, diretores do Centro Acadêmico XI de Agosto e coordenadores da campanha Estágio Digno

Os cursos de direito no país constatam um fenômeno comum a alunos ingressantes e veteranos: a ansiedade em se inserir no mercado de trabalho por meio de estágios jurídicos, preferencialmente nos grandes escritórios das capitais brasileiras.

Dentre as explicações para o desejo de ingressar na advocacia privada destaca-se —dada a diversificação no perfil dos estudantes das universidades brasileiras— a necessidade de obter a renda necessária para o sustento familiar e para a permanência estudantil.

Caio Lima Rezende, 32, está no último semestre de direito; ele carrega na memória humilhações e assédio que sofreu em escritórios em que trabalhou - Gabriela Biló/Folhapress - Folhapress

Por outro lado, parcela significativa dos alunos anseia um estágio nas bancas de advocacia em razão da lógica inerente ao sentimento geral do mundo jurídico-universitário, que impõe a carreira privada como o ponto alto de realização profissional possível, ao preço de participarem de uma cultura que adoece os profissionais do direito.

Os dois caminhos podem conduzir a experiências marcadas por violações à dignidade e à saúde física e mental dos estudantes de direito, haja vista o normalizado desrespeito, por parte dos escritórios, às disposições existentes na Lei do Estágio.

Nos estágios de direito observa-se situações de rescisão do contrato, evasão do curso, crises de depressão e de burnout, com episódios mais graves como tentativas de suicídio. Problemáticas que são decorrentes da violação da jornada de trabalho de seis horas diárias, da ausência da meia jornada em períodos de provas escolares, além dos casos de racismo e assédio, muito dos quais relatados na página "Escritórios Expostos" e no interior da audiência pública mobilizada pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, no âmbito da campanha "Estágio Digno".

Afirmar, como aponta o artigo publicado nesta Folha "A demonização do estágio em escritórios de advocacia" (19/9), que "a pressão [no estágio de advocacia], portanto, é inevitável", não apenas normaliza o desrespeito à lei, mas incentiva que sócios e demais profissionais do ramo tratem os estudantes como "pequenos advogados", desvirtuando assim o princípio do estágio como um itinerário educativo que deve ser humanizado.

A configuração espacial da sede dos escritórios de advocacia confirma a lógica do uso de estagiários como substituição econômica à contratação de advogados. Nas grandes bancas, a maior parte do ambiente físico é destinado às baias nas quais os estudantes exercem as suas atividades jurídicas, o que confirma os estagiários como peças fundamentais para as "big law".

As reivindicações dos estudantes de direito na temática dos estágios tóxicos não pressupõem o fim das oportunidades de aprendizagem nos escritórios de advocacia ou mesmo a sua demonização. O que se propõe é o respeito às diretrizes presentes na legislação e a expansão, por parte dos escritórios e da própria universidade, das perspectivas, das competências necessárias e dos métodos compatíveis com objetivo de formar advogados preparados para resolver problemas concretos.

O estágio em escritórios privados deve ser um dos caminhos possíveis, dentre vários outros, e não uma via crucis na qual os estudantes, a todo custo e desde o início da graduação, devem peregrinar em busca do sucesso pessoal e profissional. Com muitos caminhos possíveis, será concebível preservar os estagiários, a sua saúde e o futuro da Justiça.

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