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Wallace de Moraes

O 13 de maio é uma data a ser celebrada no país? NÃO

Sem desculpas ou reparações, Lei Áurea é chaga que ainda nos assola

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Wallace de Moraes

Professor do Departamento de Ciência Política e dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia (PPGF) e de História Comparada (PPGHC) da UFRJ; membro do Quilombo do IFCS/UFRJ e do Coletivo de Docentes Negras(os) da UFRJ, é líder do Coletivo de Pesquisas Decoloniais e Libertárias (CPDEL/UFRJ)

No dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que abolia formalmente a escravidão no país. Aprendemos nas universidades e escolas que esta é uma data comemorativa, tal qual vivemos em uma democracia racial, que a escravidão foi branda e cortês, bem como os quilombos eram formados por bandidos. Os movimentos negros devem seguir essas instituições e referendar seus postulados ou devem problematizá-los?

O fio condutor dessa discussão é muito mais profundo do que uma simples querela sobre a sua comemoração, pois faz parte de uma peleja contra o racismo epistêmico e o historicídio, cujos âmagos constituem-se na denegação dos negros enquanto produtores de conhecimento e como sujeitos históricos.

Primeira página do Diário Popular, de São Paulo, noticiando a Lei Áurea, em 1888
Primeira página do Diário Popular, de São Paulo, noticiando a Lei Áurea, em 1888 - Folhapress

Os que defendem o 13 de maio cometem um erro crasso ao não situar a abolição formal no seu contexto. Assim, ignoram que a proliferação de quilombos por todo o território destruía o sistema escravista por dentro; que o Brasil foi o último país do Ocidente a revogar a escravidão; que a família real foi sua fiadora por séculos e que as elites patrocinaram a imigração de pobres europeus com vistas a "embranquecer" a população brasileira e usar sua mão de obra no lugar do negro liberto, legando-o à miséria.

Nesse sentido, ele saiu da senzala para a favela; da condição de escravizado para desempregado/subempregado. Continuou discriminado e sem acesso à educação, saúde, moradia; isto é, prosseguiu sendo tratado como um sub-humano, um animal, pois foi solto na "selva" como um cachorro expulso pelo dono. Nem um pedido de desculpas público foi feito. A efeméride, portanto, não se constituiu como um arrependimento acompanhado por políticas necessárias de reparação. Não foi uma concessão benevolente. Ao contrário: foi um ato duro, pró-forma, de uma elite pressionada interna e externamente.

Na prática, o 13 de maio foi a cristalização da amnésia seletiva da elite branca, segundo a qual os negros não precisavam de reparação por tudo que padeceram. Essa lógica perdura até hoje, quando seus descendentes resistem a todas as políticas de cotas raciais. A instituição da Lei Áurea, sem reparações, designou aos negros os piores empregos e o desemprego. Não à toa, a maioria da população negra continua majoritariamente nas favelas e periferias, nas prisões, nas valas comuns e como principais alvos das "balas perdidas" das polícias e do Judiciário.

Pelo exposto, o 13 de maio impede o protagonismo do negro como sujeito histórico e será sempre uma data da elite branca que resolveu atribuir-se a si mesmo o que já estava sendo realizado na prática pelos nossos antepassados. A Lei Áurea deixou como espólio o racismo institucional na forma de chaga que ainda nos assola; por isso, não nos conforta.

Foram por essas razões que os movimentos negros propuseram a comemoração do dia 20 de novembro como nossa em referência às ações diretas de centenas de quilombos, com vistas a ratificar nossas lutas por liberdade, igualdade, terras, moradias, respeito e autogoverno —o que o 13 de maio e nenhuma lei criada pelos descendentes dos que nos escravizaram conseguirá contemplar.

Mas para não dizer que não falei das flores, a única Isabel que reverenciamos é a Vila que, junto com a Mangueira, nos enche de orgulho com dois sambas-enredos de 1988 —ano do centenário da abolição— que melhor resumem a interpretação que temos tanto do 13 de maio quanto dos quilombos. Sugiro que ouçam e problematizem se "a favela é a nova senzala" e se "valeu Zumbi do grito forte dos Palmares que correu terra, céus e mares, influenciando a abolição" é o que melhor nos representa.

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