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O G20 e a monotonia do sistema agroalimentar

Urge mobilização global contra a pandemia de obesidade

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A alimentação tornou-se um vetor de disseminação das doenças que mais prejudicam a saúde humana e mais matam no mundo contemporâneo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a incidência de enfermidades não contagiosas (pressão alta, diabetes, câncer e cardíacas) dobrou nos últimos 30 anos. Sobem a 17 milhões anuais as mortes decorrentes da má nutrição, mais que o dobro do total de vítimas da Covid-19 (7 milhões).

A obesidade, que atingia pouco mais de 10% da população dos Estados Unidos no início dos anos 1970, chega hoje a 40% do total. E ela está crescendo no mundo todo. Os custos dos impactos da má nutrição na saúde humana e no meio ambiente são calculados, em documento publicado no âmbito da Cúpula sobre Sistemas Alimentares das Nações Unidas, em quase US$ 20 trilhões —mais que o dobro do valor do consumo alimentar global.

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Carboidratos refinados estão entre os principais responsáveis pelos casos de diabetes - Anaumenko/Stock Adobe - Anaumenko/Stock Adobe


Esses dados não poderiam ser mais paradoxais. Afinal, após a Segunda Guerra Mundial, a prioridade global (consagrada pela revolução verde dos anos 1960) consistia em aumentar a produção, a durabilidade dos produtos nas prateleiras e a garantia de sua sanidade. Tal prioridade foi, em parte, alcançada, contribuindo para aumentar a oferta agroalimentar.

Mas a base desse desempenho agropecuário e industrial da segunda metade do século 20 é a monotonia das paisagens agrícolas, das raças responsáveis pela maior parte da oferta de carnes e do próprio consumo derivado de produtos industriais. A humanidade conhece mais de 7.000 produtos comestíveis, dos quais mais de 400 são passíveis de cultivo. No entanto, 90% da alimentação humana concentra-se em 15 produtos e 60% em não mais que 4. Amplia-se a distância entre a produção alimentar e o prato das pessoas, o que compromete a valorização das culturas alimentares e culinárias locais.

Essa concentração representa imenso risco geopolítico: dois terços da oferta agropecuária estão em apenas cinco países, um problema sistêmico que a invasão russa à Ucrânia trouxe à tona. E ao homogeneizar largas extensões da paisagem, ampliam-se os impactos destrutivos dos eventos climáticos extremos, mostrando a baixa resiliência do atual modelo global de crescimento agropecuário.

A ideia de que a monotonia da oferta agropecuária poderia ser compensada pela adição de componentes que enriqueceriam nutricionalmente o alimento industrializado revelou-se uma armadilha, cuja denúncia está revolucionando as ciências da nutrição do século 21. Se na segunda metade do século passado a abordagem da obesidade se apoiava no excesso de calorias, relativamente ao gasto de energia das pessoas, os especialistas hoje chamam a atenção para o consumo excessivo e prejudicial de produtos fabricados com quantidade ínfima de alimentos e doses doentias de elementos que não fazem parte da natureza ou da cozinha e interferem no sistema metabólico de regulação do apetite, com consequências desastrosas sobre a microbiota intestinal.

A pesquisa brasileira é internacionalmente reconhecida como pioneira na descoberta da importância dos produtos ultraprocessados como promotores das doenças que mais matam no mundo. É ela que inspirou não só nosso Guia Alimentar como a maior parte dos adotados em mais de cem países do mundo.

O G20 tem a responsabilidade de promover mobilização global contra a pandemia de obesidade, o que supõe profunda transformação não só na agropecuária mas, sobretudo, na qualidade daquilo que a indústria de alimentos oferece hoje à sociedade. Esta é a mensagem central do documento —elaborado pela Cátedra Josué de Castro, da Faculdade de Saúde Pública da USP, e pelo Instituto Comida do Amanhã— acolhido pelo G20, que se reúne este ano na Índia (https://www.orfonline.org/research/promoting-diversity-in-agricultural-production/).

Após a Índia, será a vez do Brasil presidir a reunião do G20, em 2024: é fundamental que o combate à monotonia do sistema agroalimentar ocupe o epicentro da pauta.

Ricardo Abramovay
Professor titular da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública da USP

Juliana Tângari
Diretora do Instituto Comida do Amanhã

Ana Paula Bortoletto
Professora da Faculdade de Saúde Pública da USP e pesquisadora da Cátedra Josué de Castro

Nadine Marques
Nutricionista e pesquisadora da Cátedra Josué de Castro

Estela Sanseverino
Pesquisadora da Cátedra Josué de Castro

Luisa Gasola Lage
Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens/FSP/USP)

TENDÊNCIAS / DEBATES
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