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Marcus Vinicius Furtado Coêlho

O desafio da publicidade dos julgamentos do Supremo

Entre a obscuridade total e a exposição excessiva, o que vale é a efetividade da prestação jurisdicional

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Marcus Vinicius Furtado Coêlho

Advogado, é presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB, ex-presidente nacional da instituição (2013-2016) e autor de “Ruy Barbosa – O Advogado da Federação e da República” (ed. Migalhas)

A recente declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a publicidade dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) despertou reações que variaram entre a surpresa e a indignação, como se a ideia aventada fosse um despautério —o que não é o caso, malgrado a incompatibilidade com a Constituição brasileira. O tópico é passível de debate porque experiências internacionais atestam a viabilidade de modelos distintos do adotado no Brasil.

A Carta de 1988 é clara ao consagrar a regra da transparência já no inciso 60 do artigo 5º: "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". Em síntese, o sigilo é admitido, mas excepcionalmente. O artigo 37 impõe, dentre outros, o princípio da publicidade à administração pública dos Poderes da União.

A presidente do STF, ministra Rosa Weber, o ministro Cristiano Zanin e o presidente Lula - Sergio Lima/AFP - AFP - AFP

Notemos, ainda, para ampliar o rol, o inciso 9º do artigo 93, na redação dada pela emenda constitucional nº 45, de 2004: "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação".

Em essência, essa ênfase na transparência deriva do nosso modelo de organização: na República, a publicidade é uma exigência que nasce já na etimologia dos termos. A questão que se coloca é de medida —quanto maior a opacidade do sistema, maior o alheamento de seus operadores às cobranças e pressões. O que queremos, então: julgadores nefelibatas, infensos às vozes das ruas? Ou magistrados que oscilam ao sabor do barulho da opinião pública, das redes sociais?

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Os julgamentos são públicos e assim hão de permanecer, para o bem do Estado democrático de Direito. Se o poder emana do povo, os Poderes devem a este, no mínimo, satisfação —os governantes não estão dispensados de prestar contas, frise-se. Por outro lado, não pode a publicidade tornar-se opressiva. Pelo contrário, favorecerá precisamente aquilo que visa combater: as interferências indevidas. Em vários sistemas jurídicos do mundo, julgamentos são anulados quando ocorre a interferência indevida da mídia sobre o caso julgado.

As manifestações dos ministros do STF justificam o interesse público sobretudo porque balizam outras deliberações, em outras instâncias, sejam vencidas ou vencedoras. A expressão do desagrado de parcela da população com determinações judiciais é natural nas democracias, já que o Judiciário é chamado a dirimir conflitos preexistentes, que a sociedade ou os outros Poderes não puderam resolver por si mesmos. Entretanto, não podemos repetir a máxima nazista, segundo a qual a interpretação da lei deve consultar o sentimento da raça ariana.

Nesse contexto de disputa, o mais relevante é a manutenção da independência judicial, verdadeira garantia da cidadania, que possibilita a tomada de decisões isentas e imparciais por parte dos tribunais.

Afinal, entre a obscuridade total e a exposição excessiva, o que vale é a efetividade da prestação jurisdicional —que não se alcançará senão por meio do equilíbrio, não por acaso, o símbolo mor da própria Justiça.

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